sexta-feira, novembro 28, 2025

4 pontos críticos à decisão de Moraes na prisão de Bolsonaro

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que decretou o trânsito em julgado no processo contra Jair Bolsonaro (PL) e outros seis réus do Núcleo 1 na ação penal da tentativa de golpe, determinando o início imediato do cumprimento da pena do ex-presidente de 27 anos e três meses de prisão, provocou reação entre juristas, advogados e analistas.

Isso ocorre, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, não apenas pelo rigor da punição, mas também pela velocidade com que o caso foi concluído e pela forma como a execução da sentença ficou concentrada nas mãos do próprio relator.

Eles apontam contradições, aceleração processual e medidas de controle excepcionais que, combinadas, criam um conjunto de decisões sem paralelo recente na Justiça brasileira. A seguir, os principais pontos questionados por analistas.

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1. O trânsito em julgado declarado de forma imediata, antes mesmo da publicação final

No campo processual, o passo mais questionado foi a decisão monocrática de Moraes de declarar o fim do processo — o chamado trânsito em julgado — e determinar o início da pena no mesmo ato.

O constitucionalista André Marsiglia criticou ao afirmar que o ato antecipa etapas e desrespeita garantias processuais. Segundo ele, a medida foi tomada “embora ainda caibam recursos, inclusive embargos infringentes”, o que configuraria uma interrupção precoce do devido processo legal. Tradicionalmente, a Justiça só encerra um processo após a publicação do acórdão e do prazo final para todos os recursos.

“Moraes concluiu que não havia mais recursos válidos, dispensando essa formalidade e isso encurtou o tempo natural de tramitação e acelerou de forma inédita o encerramento do caso, reforçando a percepção de que a decisão buscava impedir novas ações da defesa”, afirma.

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2. A ordem monocrática para início imediato do regime fechado no mesmo despacho

Além de declarar o fim do processo, Moraes determinou, na mesma decisão monocrática, o início do cumprimento da pena em regime fechado. Criminalistas ouvidos pela reportagem enxergam nisso um passo extra de concentração de poder e uma compressão das etapas normais do sistema penal — algo que raramente ocorre em casos de grande repercussão, nos quais a cautela costuma, ou deveria, ser maior.

“Em geral, essa etapa é conduzida por um juiz da execução penal, que avalia aspectos práticos e logísticos. Aqui, todo o procedimento foi concentrado em uma única decisão do relator, que será o juiz da execução penal também”, diz o doutor em Direito Luiz Augusto Módolo.

Para o criminalista Gauthama Fornaciari, há risco de supressão de garantias básicas. “Está havendo um cerceamento do direito de defesa”, disse, ao avaliar o uso sucessivo de decisões unilaterais em medidas de alto impacto.

Ele explica que, em situações nas quais uma decisão monocrática causa prejuízo ao réu ou à defesa, existe um instrumento próprio para contestação. “Geralmente, da decisão monocrática que causa prejuízo à defesa, é possível interpor agravo regimental para o colegiado”, afirma. Esse recurso permitiria aos ministros revisitarem a decisão tomada individualmente pelo relator.

Moraes evitou o agravo submetendo sua decisão diretamente a referendo da Primeira Turma. Por unanimidade, os demais ministros referendaram o trânsito em julgado e o início do cumprimento da pena.

Apesar disso, o advogado reconhece que, no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça, decisões individuais não são incomuns — embora o contexto atual amplifique as controvérsias. “No STF e no STJ, o comum é que muitas questões sejam decididas monocraticamente pelo relator”, lamenta.

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3. A classificação prévia de eventuais recursos de Bolsonaro como “protelatórios”

Outro ponto que despertou críticas foi a justificativa usada para encerrar o caso: a defesa havia apresentado embargos considerados inadmissíveis porque o julgamento do STF teve apenas um voto pela absolvição — e não dois, como preveem as regras do Supremo.

Moraes concluiu que esse tipo de recurso seria apenas uma forma de atrasar o cumprimento da pena, classificando-o imediatamente como protelatório. “Rotular de antemão um recurso como manobra e usá-lo como motivo para acelerar o trânsito em julgado, reforça a percepção de que a decisão foi tomada com rigor acima do padrão”, destaca o professor e constitucionalista Alessandro Chiarottino.

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4. A centralização do controle das visitas e da rotina de prisão no próprio STF

A decisão do ministro, referendada pela Primeira Turma, também concentra na figura do ministro Alexandre de Moraes o controle sobre visitas ao ex-presidente Bolsonaro. Segundo o documento, todas as visitas precisam ser autorizadas previamente pelo magistrado — com exceção apenas dos advogados e médicos.

“Esse nível de ingerência direta do STF é incomum. Normalmente, detalhes do dia a dia do preso ficam a cargo da Vara de Execuções. Aqui, o controle permanece nas mãos do relator que condenou o réu, o que acentua críticas sobre excesso de centralização e personalização de decisões”, alerta Marsiglia.

Outro ponto que gerou controvérsia foi a quantia fixada para reparação de danos morais coletivos: R$ 30 milhões, a serem pagos solidariamente pelos condenados. Embora a lei permita reparação dentro de processos criminais, o valor foi considerado extraordinariamente alto.

O caráter exemplar — utilizado como argumento para reforçar a gravidade da conduta — é visto por analistas como uma segunda camada de punição, agora financeira, que ultrapassa a função original da reparação.

“A quantia reforça a sensação de que a decisão buscou simultaneamente punir e sinalizar politicamente. Foi uma punição à direita no Brasil”, diz Módolo. Já Fornaciari pondera que essa aplicação é atípica. “Em tese, seria uma matéria de eventual ação civil pública, até para se contestar o valor.”

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Decisão abre brechas para reversão judicial a Bolsonaro e outros réus

Para os especialistas, as decisões de Alexandre de Moraes adotam rigor máximo, tanto na interpretação dos crimes quanto na condução acelerada do processo e no controle sobre a execução da pena. “Alguns pontos descritos formam um cenário atípico no Judiciário brasileiro marcado por punição elevada, rapidez incomum e forte concentração de autoridade no gabinete do próprio relator”, destaca Módolo.

Gauthama Fornaciari entende que assim ficam brechas significativas que ainda podem ser questionadas pelas defesas — inclusive com potencial para anular a decisão.

Questionado se os pontos controversos levantados ainda podem ser atacados pelas equipes jurídicas, o criminalista é direto. “Entendo que sim.” Segundo ele, as medidas adotadas no processo apresentam vícios graves. “Cerceamento de defesa gera nulidade absoluta da decisão”, afirmou.

O advogado foi além e classificou o ato do ministro como algo fora dos parâmetros normais do Direito. “Estamos diante de uma decisão teratológica”, disse, utilizando o termo técnico aplicado a decisões consideradas “absurdas, ilegais ou absolutamente incompatíveis” com o ordenamento jurídico.

O especialista lembrou que o próprio STF já criou precedentes para lidar com situações desse tipo. “A jurisprudência do STF já admitiu o conhecimento excepcional de habeas corpus nesses casos absurdos e de ilegalidades flagrantes”, destacou, sugerindo que esse pode ser um dos caminhos possíveis para as defesas daqui em diante.

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