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Mãe com doença rara diz que a maternidade a salvou – 05/11/2025 – Equilíbrio e Saúde

Demorou um mês para Nathália ter coragem de dar banho em Victor, nascido em fevereiro de 2024. Não era o receio comum das mães de primeira viagem. Mãos e pernas tremiam, o braço pesava e logo vinha a fadiga: sintomas com os quais a paulistana convivia desde o terceiro mês de gravidez.

“Meu neném nasceu e eu não sabia o que tinha. Foi difícil amamentar, trocar, dar banho, fazê-lo dormir”, diz Nathália Ferreira de Andrade, 27.

O diagnóstico de ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença degenerativa que leva à perda de movimentos e incapacidade respiratória, veio em agosto de 2024, após longa jornada de exames e consultas que começou em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) no bairro do Jabaquara, em São Paulo.

Um caso incomum da doença rara e sem cura que afeta o sistema nervoso e é prevalente em pessoas com mais de 55 anos, segundo o Ministério da Saúde.

“Luto com isso do momento em que acordo até dormir. Vou lutar até o último dia da minha vida”, diz ela, no estágio inicial da doença, ao confidenciar “ter medo do que ainda vai descobrir”.

Em junho, Nathália tropeçou em um brinquedo do filho, se machucou e foi aconselhada a evitar andar sozinha. O marido, Fernando Reis dos Anjos, 29, leva e traz Victor da creche diariamente. O menino agora tem 1 ano e 8 meses.

Depois da gravidez, ela foi afastada do trabalho em uma empresa de laudos médicos. Pouco mais de dois anos após os primeiros sintomas, tem dificuldades para realizar atividades rotineiras, como se alimentar, mandar mensagem no celular e se maquiar.

Como a doença afetou a medula, Nathália sente dores nas costas e nos membros. Foi na AACD que ela encontrou apoio para enfrentar a ELA com fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicologia, em sessões semanais de 35 minutos cada.

“Cheguei lá em luto, revoltada e com depressão, sem saber o que fazer, com um filho pequeno”, lembra ela.

A entidade referência em ortopedia e na reabilitação de pessoas com mobilidade reduzida vem ajudando não só a retardar a evolução da doença. “Semana passada fiz um teste para alcançar objetos. Tinha conseguido 32 centímetros antes e, agora, 46”, conta. Mas, principalmente, a auxilia na recuperação da autoestima.

Na sala que simula o ambiente de casa —com cama, mesa, fogão, microondas e banheiro—, Nathália aprende a manejar atividades diárias de acordo com as respostas de seu corpo, e com menos esforço.

Ela mostra à reportagem a ferramenta criada para que possa passar batom ou delineador. E também a colher que permite a ela alimentar seu filho, ainda que não consiga mais cozinhar.

Em uma das sessões, a equipe se sensibilizou com um pedido. “Era seu aniversário e ela gostaria de ir a um restaurante, mas não queria que vissem outra pessoa cortando a carne por ela”, diz Danielle Mayumi, terapeuta ocupacional da AACD.

Os profissionais se mobilizaram para que Nathália ficasse mais um horário em atendimento e um rolinho de cortar pizza foi providenciado em substituição à faca. “Ficamos treinando o movimento para que ela tivesse mais autonomia”, afirma Mayumi.

Daqui a um ano, a paciente deve ganhar uma cadeira de rodas da oficina ortopédica da unidade Ibirapuera da AACD —a entidade mantém cinco oficinas que, em 2024, entregaram 62 mil produtos ortopédicos personalizados.

Com entrada via SUS (Sistema Único de Saúde), convênios de saúde ou atendimento particular, a AACD conta com hospital ortopédico com 140 leitos e sete centros de reabilitação que, no ano passado, realizaram mais de 850 mil atendimentos (85% via SUS).

Nathália traduz o novo perfil de atendimento da instituição onde 66% dos pacientes são adultos —e 25% têm mais de 60 anos (eram 18% em 2021).

“A AACD nasceu em 1950, na epidemia de poliomielite, e atendia somente crianças. O perfil dos nossos pacientes acompanhou as mudanças da sociedade”, diz Silvia Alves Paz, superintendente de marketing e relações institucionais.

Tanto é que a instituição não usa mais o nome original, Associação de Assistência à Criança Deficiente, por tratar agora pessoas com deficiência física congênita ou adquirida e com dificuldades de mobilidade causadas por AVC, diabetes, câncer, Parkinson, osteoporose, degeneração por idade ou quedas. Segundo a AACD, 80% dos pacientes evoluem em sua reabilitação.

Entre 2008 e 2018, a instituição atendeu 59 pacientes com esclerose lateral amiotrófica, com média de idade de 60 anos (o mais novo tinha 34), segundo pesquisa publicada no site em 2020 —o que ilustra mais uma vez o caso raro de Nathália, acometida pela doença na juventude.

Em dezembro, ela deve encerrar seu plano de reabilitação na AACD, iniciado em janeiro. Após o tratamento, é possível que ela retorne para buscar um novo objetivo terapêutico, segundo a instituição.

“A fisioterapia motora é importante, mas conversar, acolher meu choro, minhas dores, receber um abraço, tudo faz parte”, diz ela.

Desde que Victor passou da fase do banho na banheira, Nathália consegue participar mais ativamente deste momento de cumplicidade com o filho.

“Mãe não tem jeito, tem que se adaptar. É uma criança que não dá trabalho, não é chorão. Ele não sabe o que eu tenho, mas é como se sentisse. A maternidade me salvou.”

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