Em 1876, durante as celebrações pelo centenário da independência dos Estados Unidos, um personagem inusitado chamou a atenção dos americanos: o imperador do Brasil, dom Pedro 2º. Representante da única monarquia da América do Sul, ele despertou uma simpatia tão grande que ganhou o apelido de “imperador ianque”.
A viagem do imperador não teve caráter oficial nem teve acordos assinados entre os dois países. Mas serviu para estreitar as relações bilaterais iniciadas em 1824, quando o Brasil, recém-libertado de Portugal, reconheceu a independência dos Estados Unidos, e vice-versa.
Os interesses de dom Pedro 2º com a viagem eram mais científicos e culturais do que diplomáticos. Ele desejava conhecer as novidades tecnológicas que surgiam naquele país e tentar trazê-las ao Brasil, que considerava inculto e atrasado. A principal delas era o telefone, que conheceu durante exposição na Filadélfia pelas mãos do seu criador, Alexander Graham Bell. O Brasil foi um dos primeiros países a contar com a novidade que iria revolucionar o mundo da comunicação.
Conhecido pelos hábitos simples, o imperador dispensou honrarias oferecidas pelo governo americano e chamava a atenção ao se comportar como um cidadão comum pelas ruas de Nova York e outras grandes cidades. Visitou museus, redações de jornais e bibliotecas, deixando compromissos diplomáticos em segundo plano.
“A simplicidade de maneiras do imperador surpreendia os que esperavam um soberano envolto em pompas e circunstâncias”, diz a historiadora e escritora Mary Del Priore, autora de vários livros sobre história do Brasil.
A imprensa dos EUA seguiu os passos do monarca, que não hesitava em trocar cerimônias oficiais por visitas a sociedades e institutos culturais e científicos. Logo que desembarcou no porto de Nova York, em 15 de abril de 1876, ele chamou a atenção dos jornais ao dispensar a recepção oferecida pelo governo americano e não seguir diretamente para a capital, Washington.
Preferiu ficar em Nova York e visitar lugares como o Central Park. Andava em carros de aluguel e pagava as próprias despesas. Quando reconhecido, reagia de forma simpática aos cumprimentos e sempre parava para trocar algumas palavras.
Ficou bem impressionado com os trens de superfície que ligavam bairros da cidade e imaginou estruturas semelhantes para serem construídas no Rio de Janeiro, mas o projeto nunca saiu do papel.
O jornal New York Herald aproveitou a simpatia despertada pelo imperador para tecer críticas indiretas aos próprios políticos e elite americanos. No artigo “Nosso imperador ianque”, publicado em abril de 1876, o jornal registrou: “D. Pedro 2º é o primeiro imperador que vemos neste país imperial, onde todos se julgam imperadores”.
O encontro com o presidente Ulysses S. Grant (1869-1877) só ocorreria no começo de maio, em Washington. Não houve, no entanto, uma “química” entre eles, como disseram ter havido em setembro os atuais presidentes dos EUA, Donald Trump, e do Brasil, Lula, após um dos momentos mais tensos da história das relações entre os dois países.
Em julho, o republicano anunciou tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros. Na quinta-feira (20), retirou a taxa de produtos como carne e café em meio a negociações diplomáticas e ao aumento da inflação nos EUA.
Já dom Pedro “não gostou de Grant, que descreveu como grosseiro e calado”, diz o historiador Paulo Rezzutti, autor da biografia “D. Pedro II – A história não contada” (Editora Record). Mesmo assim, em 10 de maio, ambos inauguraram juntos a Exposição Universal na Filadélfia, como parte das comemorações do centenário.
No pavilhão do Brasil, Pedro 2º agiu como garoto-propaganda ao demonstrar pessoalmente aos visitantes da exposição os produtos brasileiros, como café, borracha, frutas, madeira e riquezas minerais. Em 12 de julho, a comitiva imperial embarcou para a Europa.
O Segundo Reinado foi o mais longevo governo da história do Brasil, incluindo a era republicana: 49 anos, entre 1840 e 1889. Em quase cinco décadas, dom Pedro 2º, cujo bicentenário de nascimento é celebrado em dezembro deste ano, ficou conhecido como “imperador cidadão”, “imperador iluminado” e “imperador filósofo”.
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, ou apenas Pedro de Alcântara, como gostava de ser chamado, nasceu em 1º de dezembro de 1825, no Rio de Janeiro. Naquele dia, a capital do Império celebrava o terceiro aniversário de coroação do seu pai, o imperador dom Pedro 1º.
“O fato de ele passar quase 50 anos no poder já demonstra que não era qualquer um. Pedro 2º, ao contrário do pai, pensava mais e falava menos, não permitia que os outros adivinhassem o que se passava na cabeça dele”, afirma Rezzutti.
Os primeiros anos não foram fáceis para Pedro, órfão de mãe com apenas um ano. Aos 5, foi separado do pai, que abdicou ao trono em 1831 para assumir o reinado em Portugal. Criado por tutores, ainda na adolescência foi obrigado a assumir o comando de um país enorme, complexo, escravocrata, repleto de desigualdades sociais e movimentos separatistas.
O Segundo Reinado foi marcado por altos e baixos, em todas as áreas da administração, e imensos desafios pessoais impostos ao monarca. Entre eles, governar um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão e liderar o país durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), que deixou um saldo de milhares de mortos, além de imenso prejuízo político e econômico aos cofres públicos.
A economia nacional não apresentou desempenho significativo no período. Conforme demonstra o historiador e jornalista Jorge Caldeira em “História da riqueza no Brasil” (editora Estação Brasil), a renda per capita no Brasil passou de US$ 670 anuais, em 1820, para US$ 704, em 1890. Ou seja, crescimento de apenas 4% na renda média do brasileiro, em 70 anos.
Ao mesmo tempo, o monarca demonstrou habilidade para lidar com a política e os políticos. “Jamais indicava ministros que não poderia demitir, de modo que os amigos permaneciam fora das listas”, registra Caldeira.





