Quando Joaquim nasceu, em fevereiro de 2020, seus pais, a psicóloga Reneé Rocha, 35, e o engenheiro civil Guilherme Panegassi, 38, não viveram o dia mais feliz de suas vidas como esperavam, não puderam sentir o seu corpinho ou fazer aquela foto de rostinho colado com o bebê.
Joaquim não chorou. Ele estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço, não respirava, os batimentos cardíacos caíram. Como também não segurava a máscara de oxigênio, foi preciso entubá-lo e levá-lo direto para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
“Olhei ele por dois segundos. A única coisa que passava na minha cabeça era que meu filho havia morrido”, lembra Reneé.
Joaquim, hoje com cinco anos, ficou internado durante 19 dias na UTI neonatal. Ele teve asfixia perinatal, quando o bebê não recebe oxigênio suficiente antes, durante ou logo após o parto. Essa privação pode causar a encefalopatia hipóxico-isquêmica, lesão neurológica que compromete funções motoras, sensoriais e cognitivas.
No mês passado, foi sancionada lei que cria o Dia Nacional de Prevenção da Asfixia Perinatal, a ser lembrado, anualmente, no dia 25 de setembro. Segundo especialistas, este é um primeiro passo para que outras ações e políticas públicas sejam implantadas para evitar casos, sequelas e mortes.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a asfixia é a terceira causa de morte neonatal no mundo.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, estima-se que de 20 a 30 mil bebês sejam acometidos pela condição todos os anos. Entre as principais sequelas estão a paralisia cerebral e motora, cegueira e surdez.
De acordo com especialistas, há diversas causas para a falta de oxigenação, como problemas na placenta da mãe, no cordão umbilical ou outra questão no momento do nascimento, sendo as mais comuns sangramento materno, como um descolamento prematuro de placenta.
“Pode ocorrer também um prolapso de cordão umbilical, isto é, quando o cordão sai antes do bebê durante o trabalho de parto, interrompendo o fluxo sanguíneo”, explica o neonatologista Gabriel Variane.
Segundo o médico, muitos fatores de risco podem ser evitados com um pré-natal adequado. “Se a mãe tem uma gestação saudável, não tem doenças, controla hipertensão, diabetes, outras complicações, isso diminui a incidência de asfixia. Essa lei por si é uma vitória”, afirma Variane.
Contudo, também é fundamental o atendimento adequado e eficaz no parto e pós-parto, como o rápido diagnóstico de asfixia e a execução de procedimentos nas primeiras seis horas de vida da criança.
Letícia Sampaio, neurologista infantil e presidente da Liga Brasileira de Epilepsia, afirma que, além da conscientização, a lei recém-sancionada pode ajudar na criação de políticas públicas para que, por exemplo, toda UTI neonatal brasileira tenha condição de atender uma criança por meio de hipotermia terapêutica e monitorização cerebral.
A hipotermia terapêutica resfria o corpo do bebê para 33,5º por 72 horas, o que reduz o risco de sequelas ou morte. “As crises epiléticas são muito comuns nesse primeiro dia. Ou eu monitoro e trato, reduzo todo aquele impacto, ou se eu for monitorar dois, três dias depois, quando já aconteceram, perdi minha janela [de tratamento]”, diz Variane.
A neurologista Letícia Sampaio explica que, durante esse período, o bebê pode apresentar crise epilética, por isso a importância de ser monitorizado. “A hipotermia é uma tentativa de prevenir atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, epilepsia. Uma criança com paralisia cerebral, por exemplo, tem dificuldade de sucção, de alimentação.”
Gabriel Variane também é fundador da PBSF (Protecting Brains and Saving Futures), empresa criada para ampliar a oferta do monitoramento cerebral e evitar que os bebês tenham convulsões epiléticas.
À distância, são monitorados 32 pontos do corpo dos bebês que tiveram asfixia perinatal, prematuros, cardiopatia congênita e outras condições em 50 hospitais municipais e particulares de São Paulo.
Em setembro, a revista The Lancet Regional Health – Americas publicou o estudo, liderado por Variane. O trabalho descreve a implementação e os resultados de uma estratégia de saúde digital em 79 UTIs neonatais brasileiras, envolvendo 11.333 recém-nascidos monitorados remotamente entre 2017 e 2024.
Reneé lembra que, durante o período de internação, Joaquim teve uma crise convulsiva detectada pelo monitoramento cerebral e passou pela hipotermia. “Não sei como seria a nossa vida se não fossem esses procedimentos”, diz.
Ela conta que os dois primeiros anos de Joaquim foram de muito tratamento e estímulo. “Não íamos só ao pediatra, mas ao neurologista, cardiologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fono. Hoje o Joaquim é 100% saudável, não tem sequela nenhuma. É até muito bagunceiro. Só temos que agradecer.”
Para os pais de Joaquim, a nova lei é mais que uma data, é um marco para a conscientização coletiva. “O fato de as pessoas saberem que o nascimento pode ter várias complicações, entre elas a falta de oxigenação, ficarão mais atentas e buscando um local mais preparado para o parto”, diz.




