A prisão de Jair Bolsonaro (PL), que passou de preventiva no último sábado (22) para definitiva nesta terça-feira (25), consolidou um período de seis anos em que a direita brasileira vem acumulando derrotas expressivas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde 2019, quando Bolsonaro assumiu a Presidência e projetou crescente influência sobre o Congresso, o Judiciário tornou-se o principal fator limitador de sua agenda política e de seu campo ideológico.
Para Elton Gomes, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o atual ciclo de enfrentamento entre o Judiciário e a direita é resultado do avanço simultâneo da judicialização da política e da politização do Judiciário. “O Executivo perdeu capacidade de formar maiorias. A esquerda encontrou no STF o meio de contornar esse impasse, usando as cortes para substituir o Legislativo”, afirma.
Esse movimento, diz ele, levou o Supremo a “agir como um partido político”. No governo Bolsonaro, atuou como oposição, barrando decisões centrais do Executivo. Agora, no governo Lula, reforça a agenda do Planalto e restaura medidas derrotadas no Congresso. “Acordos políticos tradicionais foram trocados por decisões de magistrados alinhados à esquerda”, avalia Gomes.
As derrotas seguidas da direita, acrescenta, decorrem de uma composição majoritariamente desfavorável nos tribunais superiores. “Com um Legislativo fragmentado, conflitos que antes se resolviam na política passaram a ser empurrados ao STF. A Corte virou árbitro de disputas que deveriam permanecer na arena parlamentar”, ressalta.
Com relação ao histórico de reveses, o primeiro ocorreu ainda em 2019, quando a Operação Lava Jato — símbolo das bandeiras anticorrupção defendidas pelos conservadores — sofreu uma sequência de derrotas no STF. Em novembro daquele ano, a Corte derrubou a prisão após condenação em segunda instância, decisão que reabria caminho para a libertação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da esquerda.
Dois anos depois, em 2021, novas decisões — desta vez do ministro Edson Fachin, depois confirmadas pelo plenário — anularam as condenações de Lula oriundas da força-tarefa de Curitiba. O ato restaurou os direitos políticos do petista e redesenhou o tabuleiro eleitoral.
Na leitura da direita, esse foi o marco inicial de uma escalada de contenção judicial de suas forças, ampliada no decorrer da pandemia e nos conflitos seguintes.
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Escalada de investigações e decisões sanitárias durante a pandemia
Ainda em 2019, o Inquérito das Fake News inaugurou uma nova lógica no STF: a Corte passou a investigar, acusar e julgar críticos de seus ministros, num modelo sem paralelo no ordenamento jurídico brasileiro. Somado ao avanço do inquérito dos atos antidemocráticos e das chamadas “milícias digitais”, abriu-se uma frente contínua contra parlamentares, influenciadores, jornalistas e empresários associados à direita. O ministro Alexandre de Moraes assumiu protagonismo central tanto no STF quanto posteriormente no comando do TSE.
Medidas como bloqueios de contas, quebras de sigilo, buscas e apreensões e restrições de circulação tornaram-se frequentes. A prisão do deputado Daniel Silveira (RJ), as ações contra o jornalista Oswaldo Eustáquio e a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) ocorreram nessa nova fase.
A pandemia de Covid-19, em 2020, agravou o atrito entre os poderes. Decisão histórica do STF fixou a autonomia de estados e municípios para determinar medidas sanitárias, retirando do governo federal o comando da crise. Sentenças sobre vacinação, funcionamento de escolas, templos e atividades econômicas reforçaram o papel do Judiciário como condutor de políticas de impacto nacional — muitas delas contrárias às diretrizes do Planalto à época, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Eleição de 2022 teve lives proibidas e restrições na campanha
O cerco jurídico ao governo seguiu firme. Em 2020, o STF suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal, considerada uma das intervenções mais diretas sobre uma prerrogativa do chefe do Executivo. Decretos sobre armas, portarias ministeriais e até a graça (perdão presidencial) concedida a Daniel Silveira foram derrubados por decisões judiciais.
Na eleição de 2022, a tensão migrou para o TSE. Bolsonaro foi proibido de realizar lives de campanha nos palácios, impedido de usar pronunciamentos oficiais — até mesmo o feito na ONU — e viu influenciadores aliados serem alvo de derrubadas de perfis e desmonetização. Inserções eleitorais foram cortadas ou ajustadas por ordem judicial.
A oposição atual ainda recorda que o TSE restringiu peças de campanha que vinculavam Lula a ditaduras latino-americanas ou que mencionavam sua condição de ex-presidiário.
Com Bolsonaro fora do poder, ambiente jurídico ficou mais adverso para a direita
Com Lula de volta ao Planalto em 2023, o Judiciário ampliou seu raio de ação sobre o campo conservador. O TSE declarou Bolsonaro inelegível por abuso de poder político na reunião com embaixadores, afastando-o das urnas até 2030 naquele momento – a inelegibilidade agora foi ampliada até 2060 com o trânsito em julgado da condenação por tentativa de golpe. Operações relacionadas ao 8 de janeiro multiplicaram buscas, quebras de sigilo e bloqueio de bens.
Influenciadores tiveram perfis apagados, canais de comunicação foram desmonetizados e plataformas sofreram restrições — o auge ocorreu em agosto de 2024, quando Alexandre de Moraes determinou a retirada temporária do X (antigo Twitter) do ar no Brasil.
Em 2024 e 2025, esse ciclo se aprofundou. O STF acelerou os julgamentos dos réus do 8 de janeiro, aplicando penas severas e consolidando jurisprudência usada em casos correlatos envolvendo apoiadores de Bolsonaro. Os julgamentos dos réus foram atipicamente rápidos e envolveram pessoas sem prerrogativa de foro sendo condenadas diretamente na instância máxima da Justiça.
O julgamento de Bolsonaro e dos demais réus por tentativa de golpe de Estado foi uma sucessão de atropelos jurídicos que colocaram em xeque o devido processo legal. A defesa relatou que teve menos de 15 dias para analisar bilhões de documentos, denunciou cerceamento por falta de acesso prévio e relatórios sem índice, além das mudanças convenientes de decisões e a seleção enviesada de provas pela Polícia Federal.
Somam-se a isso a fragilidade das provas apresentadas e o uso de narrativas frágeis, como a ligação entre Bolsonaro e expressões soltas ou a “minuta do golpe”, sem robustez lógica. Violações a princípios processuais como juiz natural, imparcialidade, presunção de inocência e justa causa tornam ainda mais grave o quadro.
Prisão de Bolsonaro é o ápice de um processo iniciado em 2019
Em 4 de agosto de 2025, Bolsonaro passou à prisão domiciliar por suposta participação em uma trama golpista, sob rígidas restrições de comunicação e visitação. Com o risco de início de regime fechado em análise, ele já estava em posição vulnerável quando, no último sábado, foi levado à Superintendência da PF em Brasília para cumprir prisão preventiva — justificada pela suspeita de tentativa de fuga, a organização de uma vigília de oração e suposta violação da tornozeleira eletrônica. Alexandre de Moraes considerou esgotada a fase de recursos e determinou o início do cumprimento de pena de 27 anos na terça-feira (25).
Acusações envolvendo articulação internacional, movimentações financeiras e diálogos com aliados mantiveram o ex-presidente sob pressão permanente. Esse conjunto de ações consolidou a percepção, no campo conservador, de que o Judiciário atua de forma assimétrica contra a direita, seu eleitorado e sua estrutura de comunicação.
Para Adriano Cerqueira, professor de Ciência Política do Ibmec-BH, o exame dos últimos anos não deixa dúvidas. “Trata-se de uma ação dirigida. Nunca se viu o mesmo rigor contra personagens da esquerda”, afirma.
Apesar das derrotas eleitorais e judiciais, a direita manteve influência: ampliou suas bancadas no Congresso, segue forte nas redes sociais — mesmo sob censuras e cortes — e conserva capacidade de mobilização, evidenciando a persistência do campo conservador no pós-2022.
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