“Minha mãe me tirava de dentro do hospital para ser criança e me movimentar. Isso me permitiu estar vivo.” A afirmação é do profissional de educação física Pedro William Machado de Almeida, 44, especialista em atividade física para grupos especiais com ênfase em paciente oncológico.
Ele contou sua história ao dar uma palestra sobre o impacto da atividade física e da dieta na prevenção do câncer, no 26° Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, realizado neste mês, no Rio de Janeiro.
Aos sete anos, Pedro recebeu o diagnóstico de um linfoma linfoblástico de células pré-B precoces —um tipo raro e agressivo de linfoma não Hodgkin. O tratamento foi realizado no MD Anderson Cancer Center, em Houston, no Texas, Estados Unidos.
Ao contrário do que os médicos indicavam, diariamente, a mãe de Pedro, Celeste Aida Caetano Machado de Almeida —hoje com 68 anos—, o incentivava a se movimentar.
“Ela me levava a parques para chutar bola de futebol e brincar com meu irmão e a lugares para patinar no gelo. Isso fortaleceu o meu corpo e eu consegui suportar os tratamentos com as altas cargas de quimioterápicos. Fiquei vivo e forte. Depois disso, prometi ajudar pessoas a passarem por este momento de maneira mais leve e tranquila.”
“Optei por estudar educação física. A medicina trata o paciente de maneira reativa. Naquele momento, minha mãe me levou saúde para eu suportar o tratamento com atividade física. Então, decidi ir atrás da saúde”, conta.
Pedro é um dos autores de um artigo publicado na Journal of Applied Physiology (Revista de Fisiologia Aplicada). Segundo o trabalho, a atividade física interfere no peso e no volume do tumor, no microambiente tumoral, favorecendo a melhora do paciente.
Há outros estudos recentes que tratam dos benefícios da atividade física a pessoas com câncer.
Um ensaio clínico, randomizado controlado com 889 pacientes com câncer de cólon de seis países, apontou que participantes de um programa estruturado de exercícios viveram mais tempo sem que a doença retornasse e sem a ocorrência de novos cânceres. Eles tiveram risco 37% menor de morrer e 28% menor de câncer recorrente ou novo em comparação com o grupo de controle. A análise foi publicada no New England Journal of Medicine.
Um trabalho divulgado na Nature Medicine mostrou que uma rotina de exercícios físicos recorrentes e supervisionados reduziu a fadiga e melhorou a qualidade de vida de pacientes com câncer de mama metastático. A pesquisa analisou 357 pacientes da Austrália e países da Europa com idade média de 55 anos. O programa consistiu em treinamento personalizado duas vezes por semana com exercícios de resistência, aeróbicos e de equilíbrio.
Aos 60 anos, Celeste teve um câncer de ovário metastático e o filho, Pedro, a preparou para suportar os processos durante o tratamento, com caminhadas, agachamentos e outros exercícios de força.
“Os médicos perguntavam a ela como estava tão bem com uma doença grave. Minha mãe respondia que o filho cuidava dela com atividade física, que melhorava o mental e o espiritual, e isso fazia o tratamento dar certo. O prognóstico da minha mãe era de cinco anos de sobrevida. Ela está viva há dez anos e em remissão”, conta o especialista.
Em meados de 2017, a esposa de Pedro, Mariana Gavioli de Oliveira, hoje com 40 anos, descobriu um câncer de mama aos sete meses de gestação. Em paralelo ao tratamento, a atividade física fez parte da rotina. “Ela e nosso filho estão ótimos”, comemora.
“O exercício é mágico, ajuda a prevenir o câncer. Se a doença aparece, a velocidade de desenvolvimento tumoral é reduzida por quem pratica atividade física. Melhora a função cardiovascular, aumenta a força muscular e deixa a pessoa apta a terminar o tratamento da maneira que o médico planejou”, afirma Pedro.
De acordo com o profissional, a atividade física aeróbica também é responsável por reduzir a “quimio brain“, que é o comprometimento cognitivo —problemas de memória, dificuldade de concentração e lentidão no raciocínio— que pode ocorrer durante ou após tratamentos como a quimioterapia.
Para Angélica Nogueira, presidente da Sboc (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), há uma crescente evidência da importância da atividade física na prevenção do câncer e da recidiva da doença. É um consenso entre os médicos.
“Em junho, o Congresso da Sociedade Americana de Oncologia apresentou um estudo de câncer de intestino, mas que vale para outros tipos, que mostrou que os pacientes que tiveram câncer, que estavam curados e que aumentaram a sua atividade física em duas horas e meia por semana, por um período de dois anos e meio, tiveram redução da recidiva do câncer e de morte por câncer, com taxas de benefício maiores às vezes do que a gente obtém com remédios e quimioterapia. A recomendação é fazer exercício durante e após o tratamento”, diz Nogueira.
De acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer), a prática regular de exercícios físicos reduz o risco de diversos tipos de câncer, como os de mama, próstata, endométrio, cólon e reto. O instituto —que possui uma cartilha sobre o assunto— enfatiza que a atividade física, quando adaptada às condições individuais, é segura e eficaz para pacientes em diferentes estágios do tratamento oncológico.
Quais exercícios pacientes com câncer devem praticar?
Segundo o Pedro, há dois exercícios fundamentais para reduzir efeitos colaterais e manter boa capacidade física para pacientes com câncer. Um deles é uma caminhada simples, por dez minutos, em contato com a natureza.
“Reduz o cortisol (hormônio do estresse), que pode fazer o câncer desenvolver, e melhora o sistema cardiovascular, a resposta imunológica, e pode trazer qualidade mental para a pessoa. Ao acordar, caminhe na natureza. É uma caminhada de 60% a 70% do que você aguenta, ficando levemente ofegante”, explica.
O outro é o agachamento. De duas a três séries durante dez minutos, diariamente.
“Pernas fortes é um bom prognóstico. O paciente acamado tem que ficar em pé e começar a fazer esses agachamentos para fortalecer as pernas. Os efeitos benéficos do exercício são diários. Não podemos deixar de estimular o corpo um dia na semana. Para termos a proteção, precisamos de doses pequenas todos os dias”, finaliza.
“Para alguns, quatro, cinco ou seus repetições cada série; para outros, dez. É importante respeitar o limite do corpo. Se começou a sentir sensação de queimar é um sinal fisiológico que a gente liberou as células que previnem e combatem o câncer.
“Todos os meus pacientes, antes da quimioterapia, fazem uma caminhada para melhorar o acesso na veia, porque traz aquela dilatação da veia para a frente. A pessoa sente menos dor e reduz os efeitos colaterais.”
De acordo com o profissional de educação física, 55% da massa muscular estão da cintura para baixo.
A repórter viajou a convite da Sboc (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).




