sexta-feira, novembro 28, 2025

Política de importação de Lula prejudica produtores nacionais

Enquanto destaca a abertura de novos mercados para exportação de produtos do agro brasileiro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tomado uma série de medidas comerciais voltadas à importação em prejuízo de produtores nacionais.

Segmentos em que o Brasil é altamente produtivo têm assistido à entrada de concorrentes estrangeiros que oferecem preços mais baixos por contarem com subsídios, terem menor qualidade ou até apresentarem risco sanitário.

Enquanto quer classificar tilápia como invasora, governo libera importação do peixe do Vietnã

O setor de pescados é um dos que mais tem sido pressionado. Ainda em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula, o governo liberou a importação de filés de tilápia do Vietnã, apesar de o Brasil ser o quarto maior produtor mundial da espécie, atrás apenas de China, Indonésia e Egito.

Em dezembro daquele ano chegaram as primeiras 25 toneladas do pescado vietnamita.

Na época, produtores brasileiros já manifestaram preocupação em relação a riscos sanitários, em razão da falta de clareza sobre condições de biosseguridade do produto importado, e econômicos, considerando a possibilidade de dumping.

Dumping é considerada uma forma desleal de competição comercial, na qual produtos são exportados por preços abaixo do preço de custo de modo a prejudicar ou eliminar concorrentes locais no mercado de destino.

Em razão dos alertas feitos pelo setor produtivo, a importação foi suspensa em fevereiro de 2024, e o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, determinou à Secretaria de Defesa Agropecuária a revisão do protocolo sanitário do país asiático quanto a riscos associados à introdução do vírus TiLV no território nacional.

O TiLV, também conhecido como vírus da tilápia de lago, é um agente patógeno altamente contagioso e responsável por surtos generalizados em países da Ásia, África e das Américas, onde já atingiu criações na Colômbia, Equador, Peru e México. Em algumas espécies pode causar até 90% de mortalidade, segundo estudo publicado em 2022.

Apesar disso, no último mês de abril, por meio de despacho assinado por Fávaro, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) revogou a suspensão cautelar, voltando a liberar a importação da tilápia do Vietnã.

Decisão foi contrapartida para abertura do mercado vietnamita para carne brasileira

A decisão foi tomada após viagem de Lula ao Vietnã, no fim de março. A revogação do veto ao pescado asiático seria uma das condições para a abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira.

Em julho, em reunião bilateral antes da reunião de cúpula do Brics no Rio de Janeiro, Lula e o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chinh, assinaram um acordo comercial para a primeira venda de carne brasileira para o país asiático e a retomada da compra de tilápia vietnamita pelo Brasil, com a troca simbólica de caixas da Friboi, do grupo JBS, e da Ninefish Seafood.

Em agosto chegaram as primeiras 25 toneladas do pescado asiático e, em setembro, outras 23 toneladas. Há cerca de duas semanas, a JBS deu início a uma operação de importação de 700 toneladas de tilápia do Vietnã. O primeiro contêiner deve desembarcar no Porto de Santos (SP) no dia 17 de dezembro.

A Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR) defende que o Mapa deve voltar a suspender a importação “com urgência”.

“Essa ação é imprescindível para preservar a sustentabilidade da cadeia produtiva da tilápia no Brasil, que é formada por cerca de 98% de pequenos produtores”, diz a entidade, em nota. “Qualquer instabilidade ou desequilíbrio na concorrência afeta diretamente a capacidade de manutenção da atividade brasileira”, acrescenta.

De acordo com a Peixe BR, o Brasil conta com 237.669 estabelecimentos rurais com foco na produção de peixes, que totalizaram um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 12,5 bilhões em 2024.

“Além disso, 21% da produção nacional provém de cooperativas, sendo que o maior exportador brasileiro de tilápia para os Estados Unidos é justamente uma cooperativa de produtores, evidenciando o papel estratégico desses modelos organizacionais”, afirma.

Segundo a associação, os protocolos de produção e de processamento usados pelas indústrias vietnamitas, proibidos no Brasil, que proporcionam ao país asiático um ganho de competitividade desleal.

A Peixe BR diz ter realizado análises em filés de panga importados de diversas indústrias vietnamitas e comprovado que mais de 90% das amostras estão em desacordo com a legislação brasileira estabelecida por instrução normativa do Mapa.

“A falta de isonomia nesta relação comercial com o Vietnã não se resume somente às práticas de processamento proibidas no Brasil, mas se estendem a questões ambientais, tributárias e trabalhistas”, diz a entidade.

A abertura do mercado brasileiro para a importação do pescado vietnamita ocorre ainda em um momento em que produtores da espécie já sofrem com as tarifas adicionais de 50% impostas pelos Estados Unidos, e o governo federal discute a possibilidade de incluir a tilápia na lista de espécies invasoras.

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Segundo o Anuário Brasileiro da Piscicultura 2025, produzido pela Peixe BR, no ano passado o Brasil produziu 662 mil toneladas de tilápia, o que corresponde a 68% de toda a produção nacional de peixes de cultivo. Em relação ao ano anterior, o crescimento da cadeia nacional foi de 14%.

Governo quer importar banana do Equador, embora Brasil seja autossuficiente na produção da fruta

Caso semelhante ocorre na fruticultura, setor em que a política de importação do governo colocou na mira os produtores de banana, uma das frutas mais populares do país.

O governo brasileiro negocia com o Equador a retomada de importações do produto equatoriano, o que tem gerado preocupação por parte de entidades como a Confederação Nacional dos Bananicultores do Brasil (Conaban), a Associação dos Bananicultores do Norte (Abanorte), a Associação Brasileira dos Varejistas de Hortifrutigranjeiros (Abavar) e a Federação Brasileira dos Bananicultores (Febanana).

O Brasil é o maior consumidor de banana do mundo, mas a produção interna, presente em praticamente todo o território nacional, garante a autossuficiência no abastecimento doméstico, o que em tese dispensa a necessidade de fornecedores externos.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estima que o consumo brasileiro per capita do alimento é de aproximadamente 26 kg por ano.

De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2025 o país produziu 7,33 milhões de toneladas da banana, alta de 4,8% em relação a 2024 – a única unidade federativa que não colheu a fruta foi o Sergipe. Apenas 0,7% da produção é destinada à exportação, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Não há embargo à importação de bananas do Equador, mas a instrução normativa do Mapa que estabelece os requisitos fitossanitários para a entrada do produto no Brasil está suspensa desde 2017, o que faz com que o comércio seja bastante restrito.

Em agosto deste ano, no entanto, durante visita do presidente equatoriano, Daniel Noboa, a Brasília, Lula declarou que o Brasil voltará a importar a fruta do país sul-americano atendendo a uma decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Iniciaremos pela banana desidratada e, até o fim do ano, concluiremos a análise de risco para a banana in natura”, disse o brasileiro.

Até o mês de outubro, as compras do produto equatoriano chegaram a 569,9 toneladas, com alta de 7.024% em relação a todo o ano de 2023 (oito toneladas).

O cenário é considerado “preocupante e insatisfatório” por produtores brasileiros acompanhados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Segundo eles, a abertura comercial pode gerar competições desfavoráveis com as frutas brasileiras no mercado interno, o que pode prejudicar a dinâmica de preços.

Um estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostra que o item importado no comércio brasileiro tende a disputar nichos premium, como redes varejistas de padrão elevado, supermercados especializados e segmentos industriais mais exigentes, hoje atendidos por produtores que investiram em tecnologia, manejo e padronização para ofertar frutas de maior qualidade.

No Equador, segundo o levantamento, o governo estabelece o valor mínimo de US$ 9,75 por caixa de 43 libras para exportação. “Considerando custos de frete e seguro (US$ 0,0470/kg) e taxa de câmbio de R$ 5,454, obtém-se um preço estimado de R$ 3,13/kg)”, diz trecho da publicação “Embora esse preço esteja acima da média nacional (R$ 1,95/kg), trata-se de um produto posicionado em faixas de maior valor.”

Com esse posicionamento de mercado, a CNA antecipa como impacto um descolamento da produção nacional de melhor qualidade para mercados secundários, pressionando o preço médio recebido pelo produtor.

Além disso, a oferta de lotes posicionados em faixas de maior valor tende a alargar o intervalo entre a banana brasileira de primeira e a de segunda categoria, acentuando a pressão no segmento mais barato, de maior produção, e reduzindo os preços pagos também ao produtor dessa classe.

“A entrada de fruta de maior valor expõe a fragmentação do setor, pressionando pequenos e médios produtores com custos mais altos e menor capacidade de agregar valor. O resultado tende a ser margens comprimidas, remunerações menores e possível evasão da atividade, com maior concentração da produção”, acrescenta o documento.

Para além do aspecto comercial, há ainda um risco sanitário: a possível entrada do fungo Fusarium oxysporum R4T, praga devastadora ainda ausente no Brasil, mas que já teve focos identificados no Equador, embora ainda não haja reconhecimento oficial de ocorrência no país.

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Na avaliação de Letícia Barony, assessora técnica da CNA, a estrutura da cadeia produtiva brasileira, composta de mais de 200 mil produtores distribuídos pelo país, sendo mais de 80% da agricultura familiar, tornaria inviável o controle da praga, “gerando um enorme desafio para o Ministério da Agricultura e grande insegurança para os produtores”.

A deputada federal Rosana Valle (PL-SP) encaminhou um requerimento ao Mapa listando argumentos com o objetivo de impedir o avanço das negociações e a abertura do mercado brasileiro aos produtores equatorianos.

Ela defende que a União privilegie o mercado interno. Em vídeo publicado nas redes sociais, a parlamentar afirmou que a importação da fruta do Equador “quebra os agricultores, além de trazer doenças para o Brasil”.

Ministros se comprometem com produtores a acompanhar análise sanitária e evitar dumping no setor

No início de outubro, Fávaro e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, receberam produtores de banana de várias regiões do Brasil, para tratar das preocupações do setor em relação à abertura do mercado para a importação da fruta equatoriana.

Os ministros se comprometeram a acompanhar toda a análise sanitária da questão da banana do Equador, evitar qualquer ação de dumping e disseram que “não só não haverá prejuízos para os produtores brasileiros de banana no mercado interno, como também é possível trabalhar junto com o setor por oportunidades para abrir mercados no exterior, ampliando o consumo de banana brasileira”, segundo relato divulgado pelo Mapa.

Fávaro garantiu que haverá “extrema atenção” quanto a qualquer risco, ressaltando não haver casos de Fusarium oxusporum raça 4 no Equador. Já Teixeira afirmou que as portas dos ministérios estarão abertas para o diálogo com o setor e para monitorar a situação da banana do Equador.

Governo contraria produtores de leite e descarta ação contra importação da Argentina e Uruguai

No setor de laticínios, o governo inicialmente pareceu demonstrar apoio a produtores nacionais prejudicados com o aumento da importação de leite em pó da Argentina e do Uruguai. Uma mudança de entendimento recente, no entanto, frustrou entidades que representam o agro e a cadeia leiteira do país.

Em 2023, as compras de leite em pó estrangeiro atingiram o volume recorde de 195,5 milhões de toneladas, um crescimento de 88,3% em relação ao ano anterior. Do total, 90,9% vieram da Argentina e do Uruguai.

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Em maio de 2024, a CNA encaminhou denúncia à Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do MDIC para sobre a possível prática de dumping por parte dos vizinhos sul-americanos. Na época, a entidade demonstrou que o leite em pó proveniente da Argentina era 54% mais barato no mercado brasileiro do que no argentino. No caso do produto uruguaio, a diferença era de 53%.

Segundo a CNA, os aumentos nos custos de produção enfrentados nos últimos anos pelos brasileiros aumentaram a busca por leite no mercado internacional, criando uma concorrência desleal e ameaçando milhares de pecuaristas a terem de deixar a atividade e fecharem postos de trabalho.

O alerta deu início a uma investigação por parte do Departamento de Defesa Comercial (Decom), da Secex, em 11 de dezembro.

Em agosto de 2025, no entanto, a Secex informou que decidiu preliminarmente não prosseguir com a investigação, entre outras razões, por considerar que o leite em pó não é similar ao item in natura. Dessa forma, produtores de leite não poderiam apresentar o requerimento de antidumping, que deveria ser feito pela indústria de leite em pó.

Segundo Guilherme Dias, assessor técnico da CNA, o argumento representa uma mudança de entendimento do Decom, que há mais de 25 anos considera a similaridade entre os dois produtos.

Desde a primeira investigação brasileira de dumping contra o leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia, em 1999, por exemplo, o governo brasileiro considerava o leite in natura e o leite em pó produtos similares, entendimento que levou à aplicação de tarifas antidumping que foram renovadas por duas vezes, em 2007 e em 2013.

Em audiência com parlamentares e representantes do setor, o secretário-executivo do MDIC, Márcio Elias Rosa, disse que o processo administrativo segue todas as regras típicas e abrange a possibilidade de produção de provas e apresentação de novas teses dos envolvidos.

Ele solicitou à CNA e às outras entidades presentes que enviem estudos técnicos para que o Decom possa reconsiderar o entendimento sobre a similaridade de leite in natura e leite em pó, e construir uma nota técnica dentro do prazo estabelecido.

A secretária de Comércio Exterior do MDIC, Tatiana Prazeres, afirmou que a pasta entende que existem práticas desleais de comércio e que todas as investigações são conduzidas com rigor técnico. “Há espaço para que os interessados se manifestem e contestem a determinação preliminar. O nosso compromisso é ouvir todas as partes e os argumentos para que o ministério construa a convicção a respeito do tema”, disse.

Em setembro, mês seguinte à decisão desfavorável ao pedido, as importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai saltaram 34%, conforme dados do MDIC.

Após a decisão, a CNA apresentou novas provas no processo, contratou um parecer internacional e solicitou a reconsideração da decisão do Decom.

“Do ponto de vista legal e de políticas públicas, essa decisão não faz sentido, pois os prejudicados pelo dumping são os produtores de leite in natura. Precisamos que o órgão olhe para os produtores com sensibilidade e reconsidere a decisão”, disse Dias em audiência pública na Câmara dos Deputados no último dia 5.

Estados adotam medidas para proteger produtores de leite

No Paraná, um dos maiores produtores do país, a Assembleia Legislativa (Alep) aprovou por unanimidade um projeto de lei que proíbe a reconstituição de leite em pó e outros derivados lácteos importados no estado quando destinados por indústrias para uso em produtos destinados ao consumo. A proposta foi sancionada pelo governador Ratinho Júnior (PSD) no dia 5 de novembro.

A comercialização do produto ao consumidor final continua permitida, desde que esteja devidamente embalado para o varejo e rotulado conforme as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“É uma medida que atende a um anseio dos produtores e das federações, assegurando mais competitividade para uma atividade da qual dependem milhares de famílias”, disse o secretário estadual da Agricultura e do Abastecimento, Márcio Nunes.

Em abril, o governo paranaense já havia acabado com a isenção de ICMS para importação de leite em pó. A medida foi sido tomada também, ainda em 2024, pelo governo de Minas Gerais.

Em Alagoas, o Sindicato das Indústrias de Laticínios (Sileal) encaminhou à Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (Fiea) e à Confederação Nacional da Indústria (CNI) um pedido de suspensão temporária das licenças de importação de produtos lácteos.

No último dia 7, inspirado na iniciativa da Alep, o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) protocolou o projeto de lei (PL) 5.738/2025, que estende para todo o país a proibição da reconstituição de leite em pó e derivados importados destinados ao consumo humano.

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