Meus colegas aprenderam desde criancinhas que se animais maiores têm mais neurônios no cérebro, é porque é preciso ser assim. Por que seria preciso ser assim? Porque operar um corpo maior deveria exigir mais neurônios, disseram, e também porque ir mais longe para alimentar um corpo maior, que exige mais energia, também deve requerer mais neurônios para criar mapas mentais do ambiente maior. A polícia evolutiva de plantão assina embaixo.
Tá bem. Mas o que dizem os dados?
Por muito tempo, não disseram nada: os dados sobre números de neurônios no cérebro não existiam. O que havia eram estudos medindo o tamanho do hipocampo, que pareciam confirmar as expectativas de que espécies que vão mais longe têm um hipocampo maior.
Mas agora que sabemos transformar cérebros em sopa para contar de quantos neurônios eles são feitos, e temos inclusive como estimar o número de neurônios no hipocampo, chegou a hora da verdade –cortesia de dois alunos em meu laboratório, Greg Casalino, que começou o estudo como estagiário na graduação, e Mia Elbon, que concluiu o estudo como parte do seu doutorado. Greg e Mia varreram a literatura para compor uma enorme tabela de dados com o tamanho do corpo, do cérebro, a distribuição populacional de várias espécies de mamíferos, quanta energia cada uma usa, qual sua dieta, e, por fim, quão longe cada espécie anda e quantos neurônios tem no córtex cerebral e no hipocampo.
Quanto maior o corpo, mais energia uma espécie usa, o que é física pura –e Mia mostrou que mais os indivíduos se espalham em populações menos densas, em parte porque cabem menos animais maiores numa mesma área, mas também porque há menos comida para cada um. Por isso a dieta importa: uma área de savana sustenta mais herbívoros do que carnívoros de um mesmo tamanho, porque a comida dos últimos é mais escassa. E quanto mais indivíduos maiores se espalham em populações menos densas para conseguir o pão de cada dia, mais longe eles vão, de maneira inversamente proporcional entre as espécies.
Só que isso não tem coisa alguma a ver com o número de neurônios no hipocampo ou no córtex cerebral.
Considere os primatas, por exemplo. São animais de porte médio que exploram áreas relativamente pequenas, de 1 km2 –mas têm o mesmo número de neurônios que carnívoros terrestres que exploram áreas mil vezes maiores, e carnívoros aquáticos que nadam por áreas até cem mil vezes maiores. Da mesma forma, animais que exploram uma mesma área de por exemplo 10 km2 podem ter qualquer coisa entre 5 e 200 milhões de neurônios no hipocampo, dependendo de serem marsupiais, carnívoros, artiodáctilos ou primatas.
A falta de correlação é prova de que explorar distâncias diferentes com o mesmo número de neurônios no hipocampo é obviamente possível –e também que a explicação tradicional, de que animais têm cérebros maiores com mais neurônios porque precisam ir mais longe, é furada.
O engraçado é que os poucos cientistas que realmente estudam como o hipocampo mapeia o mundo já esperavam por isso: os mesmos neurônios no hipocampo formam um mapa que muda de escala conforme o tamanho do ambiente em que se encontram. O cérebro dá um jeito de fazer o que pode com o que tem.
Referência
Elbon MC, Casalino G, Herculano-Houzel S. Home range is not constrained by numbers of hippocampal neurons.
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