A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro intensificou a pressão da direita para votar, na Câmara dos Deputados, o projeto da anistia para os condenados por tentativa de golpe e pelos atos de 8 de janeiro de 2023. A oposição esperava que a proposta fosse pautada nesta semana, mas novamente foi frustrada, por falta de certeza sobre o que, afinal, será aprovado: o perdão total para os crimes ou somente uma redução de pena.
A anistia “ampla, geral e irrestrita” que a oposição defende, para anular todas as condenações e a inelegibilidade de Bolsonaro enfrenta resistência do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e da maior parte do Centrão, que não quer se indispor com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Escalado por Motta para conduzir as negociações como relator, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) vai propor a redução das penas, com uma nova dosimetria para os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Pressionado por todos os lados, Paulinho da Força disse à imprensa nesta terça (25) que ainda não tem data para apresentar o texto final. Após reunião com deputados do PL, ele disse que não houve avanço. “Ouvi as sugestões, mas sigo trabalhando no texto. Não há acordo. E reitero: anistia ampla não será pautada”, disse.
Sem acordo nem certeza quanto ao resultado, Hugo Motta recusa-se a pautar o projeto no plenário, que em setembro aprovou a urgência com 311 votos favoráveis, mais do que o suficientes para aprovar qualquer matéria na Câmara.
Paulinho da Força tem dito que, se seu texto for aprovado, todos os manifestantes envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 serão soltos. Já Bolsonaro, militares e ex-integrantes do governo condenados como mandantes, mentores e articuladores da tentativa de golpe terão penas reduzidas, mas permanecerão presos por mais um tempo.
Numa entrevista concedida ao canal Mídia Livre, o deputado disse que a pena de Bolsonaro pode ser reduzida dos 27 anos e 3 meses para 2 anos e 4 meses.
Ele disse que se sua proposta for aprovada na Câmara, passa também no Senado e não seria barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Tudo que eu fiz, eu tenho certeza que o STF não vai questionar”, afirmou.
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Direita cobra apresentação do texto e traça estratégias para a votação
Deputados da direita pressionam Hugo Motta para pautar o projeto mesmo sem conhecer o texto. Nesta quarta (26), em desabafo publicado nas redes, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) criticou os “adiamentos sucessivos” e cobrou transparência no conteúdo que está sendo negociado.
Ele informou que a base governista e o Centrão continuam articulando sem que os parlamentares tenham acesso ao projeto, o que, na avaliação da oposição, inviabiliza qualquer tentativa de consolidar votos e orientar suas bancadas.
Gayer também lembrou que, por se tratar de maioria simples, a votação se tornou aritmeticamente mais fácil após a aprovação da urgência, em setembro.
“Nós estamos vendo esse processo de enrolação, onde o deputado Paulinho da Força não apresenta o texto. Ele segura o texto, fica articulando apoio, sendo que ninguém conhece o texto. Ninguém leu. Eu acho que nós precisamos ter acesso a esse texto, somente assim a gente pode deliberar”, disse.
Vice-líder da oposição, o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) disse que Motta ainda não vê clima para votar a proposta. Segundo ele, o presidente da Câmara considerou que “está muito em cima” e que o tema precisa “amadurecer” antes de ir ao plenário. Com isso, quer empurrar a deliberação para a próxima semana ou além disso.
Segundo Sanderson, ainda não há um texto fechado, e a estratégia da oposição será, no momento da votação, apresentar um destaque de preferência para tentar aprovar o projeto do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que restabelece a anistia plena.
Se o destaque for rejeitado, ele diz que a direita votará a favor da dosimetria. “Se não tiver voto, nós não podemos votar contra a dosimetria, porque ela vai implicar em levar todos esses presos para a prisão domiciliar”, afirmou.
Sanderson rechaça o argumento da esquerda de que o projeto poderia abrir brecha para beneficiar outros criminosos. Segundo ele, o texto é estritamente limitado aos crimes relacionados ao 8 de janeiro, sem repercussão para outros tipos penais.
Outra estratégia da oposição, caso a anistia não seja aprovada, é apresentar um destaque que reduza ainda mais o tempo de prisão de Bolsonaro em relação à proposta de Paulinho da Força. Ainda não é consenso na bancada, mas deputados desse grupo dizem que, com isso, o Congresso faria um gesto à oposição sem romper o limite que o STF traçou.
Nos bastidores, alguns parlamentares da oposição já admitem que a chance de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” ser pautada é praticamente nula. Daí o empenho em utilizar todas as ferramentas legislativas para mudar a proposta de dosimetria.
Em público, os deputados insistem no perdão total. “Não queremos e não aceitamos dosimetria. Queremos anistia ampla, geral e irrestrita”, afirmou o deputado Mário Frias (PL-SP).
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Centrão teme reação do STF
Deputados do Centrão afirmam que não há ambiente para enfrentar o STF no momento mais delicado do ano político. A avaliação é de que votar a anistia agora poderia gerar reação imediata da Corte.
“Os parlamentares veem com reservas a votação da dosimetria ou da anistia neste momento. Há o temor real de que o STF interprete isso como uma afronta”, relatou um líder do Centrão à reportagem.
Para esses grupos, o tema pode voltar “com mais naturalidade” em 2026, quando a temperatura eleitoral muda a dinâmica institucional.
Oposição endurece discurso e pressiona Hugo Motta
A prisão de Bolsonaro reacendeu a mobilização da oposição, que endureceu o discurso. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, chamou de “inegociável” o compromisso com a anistia. “Vou trabalhar incansavelmente para corrigir injustiças e assegurar que nenhum brasileiro permaneça preso por acusações que jamais se sustentaram. O PL segue firme: pela liberdade, pela verdade e pela anistia ampla, geral e irrestrita”, declarou nas redes.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirma que a Câmara não pode permitir que o debate seja interditado por pressões externas. “Não dá mais para esperar. Eu não consigo entender por que o debate fica interditado por forças ocultas externas ao Congresso. Se tivermos votos, ganhamos; se perdermos, respeitamos. Mas precisamos votar”, disse.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) defende a anistia como o melhor caminho para pacificar o país. Segundo ele, o processo contra Bolsonaro é uma “perseguição política” e uma “vingança”. “É um processo cheio de sombras, claramente perseguição. Milhares de pessoas estão presas injustamente. A anistia é uma forma de reconciliar o Brasil e cessar essa injustiça”, disse.
Já o deputado Osmar Terra (MDB-RS) declarou que existe uma forte pressão sobre a presidência da Câmara. “O Motta está sofrendo muita pressão. Mas ele pediu para ser presidente e tem que resolver isso. Pautar a anistia faz parte do acordo”, afirmou.
Em um discurso no plenário, nesta terça (25), o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) fez um apelo moral para que Motta paute o projeto. “A Justiça colocou esta Casa de joelhos. O presidente também. Só pedimos que paute. A esperança do país não passa só por eleições, mas por cada um fazer o que é certo”, declarou.
Advogados de manifestantes também aceitam redução de pena
Entre os advogados de manifestantes do 8 de janeiro, vem se formando um consenso de que se a anistia ficar inviável, a dosimetria já aliviaria a situação de manifestantes condenados que já estão em regime fechado ou aberto desde 2023.
“O presidente Hugo Motta não quer ceder à anistia ampla, que seguimos defendendo como a solução mais justa. Diante desse bloqueio político, a dosimetria surge como a única alternativa viável neste momento. Não corrige todas as distorções, mas ao menos reduz penas claramente desproporcionais e alivia a situação dos condenados que já cumprem regime desde 2023”, afirma a advogada Carolina Siebra, que atua na defesa de réus do 8 de janeiro.
Senador contrapõe anistia e apresenta PL do “Fim dos Exageros”
Diante do impasse na Câmara, uma nova proposta ganhou espaço no Senado. O senador Carlos Viana (Podemos-MG) apresentou projeto intitulado “Fim dos Exageros”, que revoga trechos da lei de 2021 criou os crimes contra o Estado Democrático de Direito usados para condenar Bolsonaro e os manifestantes do 8 de janeiro.
Viana argumenta que a lei permitiu “interpretações expansivas” que extrapolaram o campo penal. “A anistia é legítima. Mas a revogação de dispositivos que permitiram abusos também é. O importante é corrigir o desequilíbrio que marcou a vida de milhares de famílias”, ressaltou.
Segundo ele, o projeto garante restrição de tipos penais vagos; alinhamento ao princípio da legalidade; prevenção de novos enquadramentos considerados excessivos; e manutenção das punições por violência e depredação.
A proposta conta com um requerimento de urgência – apresentado pelo líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN) – para ser pautada direto no plenário do Senado, sem a necessidade de tramitar nas comissões, mas ainda depende do apoio de 27 senadores para ser votado.
Viana ainda informou que pretende fazer visitas oficiais aos presos e ao ex-presidente. “Quero verificar de perto a situação e garantir que seus direitos constitucionais estejam sendo respeitados. Essa cobrança não começou hoje.”
Oposição terá de aceitar uma “anistia soft”, diz advogado
Na avaliação do André Marsiglia, advogado e analista político, a oposição não tem força política para aprovar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Ele afirma que Hugo Motta e o STF não permitirão um texto nesse formato — o que obriga a direita a negociar uma solução mais limitada, centrada na redução de penas.
“Essa anistia só avançou porque o Motta deixou, e se o Motta deixou é porque o STF quis. E, se ambos aceitaram levar algo adiante, é certo que não será a anistia ampla que a oposição deseja”, avalia. Ele lembra que o antigo PL da dosimetria travou justamente porque se tentou emplacar a versão mais abrangente.
Para o advogado, o cenário atual empurra a oposição para o que chama de “anistia soft” — essencialmente uma reembalagem do projeto da dosimetria. “É o que existe na mesa. Não é o ótimo, mas é o possível”, afirma, citando o ditado de que “o bom é inimigo do ótimo”.
Na avaliação dele, a direita precisa entregar algo concreto ao seu eleitorado após a prisão de Jair Bolsonaro. “Existe uma cobrança real de que a oposição fala muito e faz pouco. Essa anistia limitada seria, ao menos, uma resposta”, diz. Ele acrescenta que a medida também atende a preocupações humanitárias de parlamentares com os condenados do 8 de janeiro que estão presos desde 2023.
Apesar disso, o advogado ressalta que a proposta não pacifica o país, não muda o quadro de polarização e não reverte a inelegibilidade do ex-presidente.
“A verdade é que esse modelo fortalece ainda mais o STF, porque é a Corte que, junto com o Motta, está moldando o projeto. É o que dá para ter hoje. O Congresso já não consegue mais fazer valer a vontade da maioria, e isso é revelador do estado da nossa democracia”, avalia.








