O governo Lula (PT) e o centrão voltaram a se chocar em votação no Congresso nesta quinta-feira (27), em mais um capítulo da relação desgastada do Palácio do Planalto com a cúpula do Legislativo. O embate reflete um cenário que poderá se repetir em 2026, com oposição e centrão aliados contra a esquerda na disputa pela Presidência.
Nesta quinta, deputados e senadores impuseram novas derrotas ao governo ao derrubar vetos presidenciais sobre as novas regras de licenciamento ambiental e o programa de socorro a estados.
Congressistas ouvidos pela reportagem entenderam as votações como um termômetro do que pode acontecer nas negociações entre governo e Congresso nos próximos dias –principalmente em relação ao pouco apoio expressado até agora no Senado para a indicação de Jorge Messias ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Uma liderança do centrão diz que o governo hoje depende mais do Congresso do que o contrário e fala em um “sentimento de cansaço” das lideranças do Legislativo com o Executivo, diante da falta de cumprimento de acordos —sobretudo no pagamento de emendas parlamentares.
Nesse sentido, o comando do Congresso poderia dificultar a aprovação de matérias da agenda prioritária para o Planalto, sobretudo da pauta econômica.
A necessidade de estabelecer um calendário para essa agenda do governo foi levada pela ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em jantar na quarta (26). Além da Lei Orçamentária, a ministra citou propostas como a do devedor contumaz, a que corta benefícios fiscais e a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Segurança Pública.
A elaboração do Orçamento de 2026, que definirá quais gastos e programas serão executados no ano eleitoral, a PEC da Segurança Pública e a aprovação de Messias são citados por parlamentares como temas em que o Executivo pode sair derrotado.
Além disso, na próxima semana haverá nova sessão do Congresso para analisar mais uma rodada de vetos presidenciais, com possibilidade de novo revés para o Planalto.
Como revelou a Folha, o presidente da Câmara rompeu relações com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), o que agravou a tensão na relação com o governo e ameaça a agenda do Executivo. Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), foi contrariado por Lula na escolha de Messias, o que já desencadeou retaliações, como a aprovação de uma pauta-bomba no Senado.
Na quarta, tanto Motta quanto Alcolumbre faltaram ao ato de sanção da isenção do Imposto de Renda, explicitando o desgaste político.
A sessão do Congresso desta quinta foi convocada por Alcolumbre em mais um recado de insatisfação do presidente do Senado com o Palácio do Planalto. A crise com o Executivo deu força para parlamentares que já vinham pressionando pela rejeição dos vetos.
Segundo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), não houve acordo com o governo para a apreciação dos vetos. A matéria foi pautada, segundo ele, por “imposição da maioria dos líderes congressuais, da oposição e do centro”.
Na sessão, Alcolumbre fez um discurso para se defender de críticas que disse ter recebido por ter pautado a análise dos vetos e negou que se trate de retaliação ao governo.
“A votação desse veto não é um gesto político isolado, é uma necessidade institucional”, disse.
O Executivo não queria discutir os vetos do licenciamento ambiental neste momento, alegando que seria ruim que isso ocorresse logo após a realização da COP30 (conferência de mudanças climáticas da ONU), em Belém. Na votação, a oposição se aliou ao centrão para formar maioria. Além de se posicionar contra a votação, integrantes do governo lamentaram a derrubada dos vetos.
Gleisi disse que essa votação “contradiz o esforço ambiental e climático do governo” após a COP30, classificando isso como “uma péssima notícia”.
O ministro Guilherme Boulos (Secretaria-Geral da Presidência) afirmou que a derrubada dos vetos é “uma vergonha”. “A maioria do Congresso decidiu passar a boiada”, escreveu em publicação nas redes.
Há uma avaliação entre integrantes do governo que a derrubada dos vetos vai gerar desgastes à imagem do Congresso junto à opinião pública. Eles dizem que isso fortalece o discurso que vem sendo fomentado por aliados de Lula nos embates com o Legislativo de que os parlamentares atuam contra os interesses do povo, com a retórica da luta de pobres contra ricos –”nós contra eles”.
Alguns petistas vislumbram a possibilidade de os atritos com o Legislativo viabilizarem um discurso de vitimização de Lula no ano que vem, quando o chefe do governo tentará a reeleição.
Nesta quinta, por exemplo, grupos ligados ao PT no WhatsApp disseminaram mensagens com tom crítico ao Congresso. Uma delas diz que a votação representa um ataque direto ao futuro do Brasil e que os parlamentares ficaram “do lado da devastação”, enquanto os vetos presidenciais “protegem” o país.
Um auxiliar de Lula afirma que entidades da sociedade civil poderiam questionar no STF trechos do licenciamento ambiental que o governo vetou e que o Legislativo restituiu. O governo também não descarta judicializar.
“O governo vai continuar persistindo sobretudo nos temas constitucionais, que sejam preservados conforme o que foi vetado pelo presidente, se for o caso até recorrendo à Justiça”, disse Randolfe.
A campanha do “nós contra eles” desgastou a relação do Planalto com o Legislativo, que se viu atacado nas redes sociais e em manifestações. Na avaliação de cardeais do centrão, o governo tem tensionado a relação e pode colher saldo político positivo a curto prazo, mas isso poderá complicar a vida do Executivo em 2026 e nas votações previstas até o fim do ano.





