A atuação de membros da CPI do Crime Organizado, formada para investigar a expansão de facções após a operação que deixou 122 mortos no Rio de Janeiro, é mais punitivista do que preventiva, segundo análise da Folha baseada em votações anteriores dos senadores que formam o grupo.
Desde 2019, as pautas que abordam punitivismo geraram poucas divergências nos votos da oposição e da base do governo –o que se explica, em parte, pela predominância do endurecimento da lei penal nas matérias sobre segurança pública que tramitam no Senado.
Entre elas, está a ampliação do conceito de terrorismo, tema que aparece na Casa ao menos desde 2021 com diferentes projetos para reconhecer como terroristas as atividades de facções. Em um deles, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), todos os parlamentares votantes que compõem a CPI foram a favor. O projeto foi aprovado em 2023 e remetido à Câmara.
Outro PL sobre terrorismo, de autoria do senador Marcio Bittar (PL-AC), propõe reconhecer como organização terrorista o que chama de “movimentos disfarçados de manifestação” que invadem e depredam prédios públicos ou propriedade privada.
Se tivesse sido aprovado, o projeto dificultaria a agenda da anistia, defendida pelo próprio Bittar em 2025, por aplicar aos presos de 8 de janeiro a chamada “lei antiterror”, de 2016. O projeto está parado desde 2023.
Considerando 521 peças de âmbito penal que já passaram pela mão dos parlamentares que formam a CPI, o aumento de penas é a solução mais considerada pelos senadores, na oposição e na situação.
Há, entre elas, várias matérias previstas no PL Antifacção aprovado na Câmara dos Deputados, como aumento de pena para membros de organizações criminosas, condução para presídio federal, previsão de audiência de custódia por videoconferência e endurecimento na progressão de regime.
Para o professor em processo penal da USP Maurício Zanoide, o foco no aumento de penas é uma ação que não tem respaldo em dados sobre políticas públicas. “É um padrão comum no Senado e nunca houve divergências entre esquerda e direita em relação a aumento de pena. Ambas são punitivistas. Não porque existam estudos sobre os custos para o Estado ou que demonstrem bons resultados. Isso é aplicado há 40 anos e nunca surtiu efeito”, afirma.
Outro problema, na opinião dele, é o cenário do sistema prisional que abriga os criminosos condenados.
“Facções criminosas têm controle de presídios estaduais do país. Não há exceção. E nunca haverá presídio federal suficiente para prender todos os líderes das facções, porque quando um é preso, é substituído pelo outro líder da vez”, afirma Zanoide. “O que é melhor para a população? Tratar depois que o crime acontece ou prevenir que aconteça o crime?”
Mas a agenda preventiva da CPI –com eixos sobre lavagem de dinheiro, domínio territorial, fiscalização das rotas de transporte de ilícitos e o debate orçamentário– é minoritária no Senado, com cerca de 9% das propostas, sendo cinco aprovadas.
A reportagem analisou a participação de todos os membros da CPI do Crime Organizado em comissões permanentes e temporárias, relatorias, autorias de propostas e votações no plenário e nas comissões de fevereiro de 2019 até 5 de novembro deste ano.
Formada em 4 de novembro, a CPI investiga a expansão de facções como PCC, CV e milícias, com nove eixos de trabalho: ocupação territorial, rotas para transporte de mercadorias, orçamento, lavagem de dinheiro, crimes de facções, medidas de prevenção, corrupção ativa e passiva, sistema prisional, integração de órgãos, e boas experiências de prevenção e repressão ao crime organizado.
Formam o grupo como titulares os senadores Alessandro Vieira (MDB-SE), Márcio Bittar (PL-AC), Marcos do Val (Podemos-ES), Otto Alencar (PSD-BA), Ângelo Coronel (PSD-BA), Jorge Kajuru (PSB-GO), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Rogério Carvalho (PT-SE), Fabiano Contarato (PT-ES) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Os suplentes são Sérgio Moro (União-PR), Eduardo Girão (Novo-CE), Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), Jaques Wagner (PT-BA), Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Esperidião Amin (PP-SC).
Apesar da coesão sobre endurecimento penal, alguns temas geraram disputa entre os parlamentares desde 2019. Um dos casos foi o decreto em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) facilitava a obtenção do porte de arma. A matéria foi objeto de cinco pedidos de sustação via Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Hoje na oposição, Flávio Bolsonaro, Do Val e Bittar votaram contra a sustação, assim como Ângelo Coronel, parlamentar da base do governo atual. Os outros senadores foram favoráveis.
Já em uma PEC que propunha mais rigidez nas penas contra usuários de drogas, Wagner e Carvalho votaram contra e Randolfe Rodrigues optou por não votar. Do Val e Contarato estavam ausentes. Todos os outros senadores da CPI foram favoráveis. O cenário foi semelhante em matéria que extinguia o benefício da chamada “saidinha”, com apenas Carvalho se manifestando contra.
Entre os 11 titulares e os 7 suplentes, Do Val é, de longe, o parlamentar com mais propostas sobre o tema. Desde 2019, apresentou 70 projetos individuais, incluindo propostas e requerimentos, e 112 coletivos. Do total, 84 matérias estão em tramitação e seis foram aprovadas na Casa.
Ele aborda com frequência temas que são debatidos na CPI, como corrupção ativa e passiva, medidas de prevenção e integração de órgãos.
Fora da agenda da comissão, legislou sobre armas de fogo e as condições de trabalho de profissionais de segurança. Mas, assim como seus colegas de Casa, sua prioridade são as alterações de penas, processo penal, execuções penais e tipificação penal, por vezes, relacionadas aos crimes de facções e milícias.
Depois dele, os mais ativos em relação à segurança pública são Kajuru e Contarato. Em termos de aprovação, Contarato lidera, com oito, seguido de Do Val e Amin, cada um com seis.
Com menor atuação entre os titulares estão Mourão e Alencar, que não apresentaram nenhuma proposta individual sobre segurança pública no período analisado. Entre os suplentes, Wagner apresentou uma e Moro, três.
Em quase sete anos, foram 131 matérias de violência sob relatoria de algum membro da CPI –55 cobriram as temáticas prioritárias da comissão, enquanto a maioria tratou do recrudescimento da lei penal e do maior acesso a armas de fogo.




