Ricardo Salinas Pliego, um dos maiores bilionários do México, comanda um império que vai de bancos à mídia e se apresenta como um cruzado anticorrupção.
Para a presidente do México, Claudia Sheinbaum, Salinas é algo bem diferente: um sonegador de impostos e agitador de direita cujas empresas devem cerca de US$ 4 bilhões (R$ 21,3 bilhões), segundo cálculos do governo.
O confronto entre esses dois titãs da vida pública mexicana explodiu em uma disputa jurídica e política de alto risco: uma decisão da Suprema Corte, cobertura incessante da imprensa e um teste decisivo da capacidade de Sheinbaum de enfrentar a elite do país.
Para Sheinbaum, encarar Salinas agora traz o risco de produzir o efeito inverso, à medida que o bilionário canaliza a indignação pública sobre temas que vão da violência à corrupção. Seus apoiadores cada vez mais o promovem como candidato presidencial, e muitos no México o descrevem como uma mistura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com o líder argentino Javier Milei.
O embate também tocou um nervo do setor empresarial, cuja aliança desconfortável com a presidente de esquerda começa a dar sinais de desgaste em meio a uma ofensiva agressiva contra a sonegação e ao descontentamento com uma reforma judicial que substituiu juízes nomeados por eleitos no voto popular.
“Salinas Pliego é um vilão extraordinário. Ele é o símbolo máximo de como pessoas ricas e bem conectadas evitam pagar impostos”, disse Carlos Bravo Regidor, analista político na Cidade do México. “Mas às vezes vilões nos surpreendem e saem por cima.”
Ele reconheceu dever um pagamento retroativo de impostos, mas contesta o valor.
A adoção, por Salinas, do apelido afetuoso “Tio Richi”, contrasta com sua longa reputação como empresário agressivo, com histórico de processos legais ao redor do mundo.
Começando como CEO da empresa da família, uma varejista de eletrodomésticos, ele impulsionou seu império em 1993 graças a um empréstimo do irmão do então presidente do México, que lhe permitiu comprar uma emissora estatal de TV. Salinas transformou a emissora na TV Azteca, hoje a segunda maior do país.
Ele construiu laços estreitos com sucessivos presidentes, e seu conglomerado, o Grupo Salinas, obteve centenas de contratos federais para tudo, de seguros a cibersegurança.
Mas, à medida que a disputa tributária do magnata com o governo se intensificou, Sheinbaum ordenou a revisão de alguns desses contratos e sugeriu que eles podem ser cancelados. A fortuna pessoal de Salinas caiu —de US$ 13,4 bilhões (R$ 71,4 bilhões) em 2024 para US$ 4,9 bilhões (R$ 26,1 bilhões) hoje, segundo a Forbes.
Meses de tensão crescente culminaram em um embate aberto nas últimas semanas.
Em 11 de novembro, autoridades fecharam dois cassinos de Salinas como parte de uma investigação por lavagem de dinheiro. O Grupo Salinas negou irregularidades e acusou o governo de assédio.
Dois dias depois, a recém-reformada Suprema Corte do México —composta por nove juízes eleitos com apoio do partido governista Morena— confirmou por unanimidade cobranças fiscais contra o conglomerado de Salinas no valor de US$ 2,5 bilhões (R$ 13,3 bilhões). A decisão, que se refere a impostos de 2008 a 2013, não está sujeita a recurso, mas Salinas pode negociar um acordo com a Receita.
Salinas acusou as autoridades mexicanas de extorsão e disse estar disposto a pagar US$ 400 milhões (R$ 2,1 bilhões) para encerrar o caso tributário —valor que, segundo ele, sua empresa realmente deve. Sheinbaum rejeitou a oferta e insiste que ele pague toda a dívida fiscal da empresa, que, segundo ela, chega a US$ 4 bilhões.
A batalha com Salinas faz parte de uma ofensiva mais ampla contra a sonegação que Sheinbaum está empreendendo enquanto busca ampliar receitas para financiar um conjunto crescente de programas sociais voltados aos mais pobres, base de seu apoio político.
As autoridades também estão cobrando US$ 16 bilhões (R$ 85,2 bilhões) da Samsung Electronics, sob a acusação de uso indevido de incentivos à exportação e regras de bitributação de 2014 a 2016. A Samsung enfatizou seu compromisso com as leis mexicanas e busca negociar um acordo.
No mês passado, a Câmara de Comércio dos EUA acusou a Receita mexicana de “práticas de fiscalização agressivas e inconsistentes”, enquanto uma associação de CEOs americanos citou “auditorias e cobranças fiscais irrazoáveis”.
O antecessor de Sheinbaum, Andrés Manuel López Obrador, empregou estratégia semelhante, forçando grandes empresas a quitar bilhões de dólares em disputas tributárias. Mas boa parte do “alvo fácil” já foi abatido, e Sheinbaum enfrenta mais resistência, dizem analistas.
AMBIÇÕES PRESIDENCIAIS
A decisão relâmpago da Suprema Corte contra Salinas —tomada pouco mais de dois meses depois que os juízes assumiram— pode ter reforçado acusações de que o sistema judicial é tendencioso, disse Emiliano Polo, analista político na Cidade do México e pesquisador no Baker Institute da Universidade Rice.
“A percepção que a nova corte está criando é que ela vai resolver todos os casos a favor do governo”, disse Polo. “E claro que Salinas está capitalizando isso.”
Dias depois da decisão, Salinas alinhou-se com manifestantes que tomaram as ruas em várias cidades do México contra o governo Sheinbaum. Confrontos ocorreram em frente ao palácio presidencial.
“Sofremos com um Estado dócil com criminosos e feroz contra seus críticos”, escreveu Salinas no X.
Trump também comentou, dizendo a repórteres que havia visto imagens dos protestos. “Há grandes problemas no México”, afirmou.
O governo Sheinbaum acusa Salinas de ajudar a financiar os protestos, citando um bombardeio de publicidade nas redes sociais que teria custado quase US$ 5 milhões (R$ 26,6 milhões).
Salinas, que nega ter financiado os protestos, tem provocado Sheinbaum e seus apoiadores. “Acho que seja o momento de entrar em uma nova fase, uma direção diferente, e por que não, mandar aqueles esquerdistas de merda se foderem”, declarou ele em sua festa de 70 anos, em outubro, em discurso para mais de 15 mil convidados em uma arena indoor.
A multidão vibrou e aplaudiu, gritando: “presidente! presidente!”





