A crise que levou à liquidação do Banco Master e deve consumir mais de R$ 40 bihões do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) deve resvalar na conta de clientes de todos os bancos. Como cerca de um terço do fundo será utilizado para cobrir as garantias do Master, restituindo quem tinha aplicações nesse banco, esse valor precisará ser reposto pelo conjunto das instituições financeiras – e o custo tende a ser repassado de forma indireta aos clientes.
Jorge Ferreira do Santos, economista e professor do curso de Administração da ESPM, explica que há duas pressões. Em primeiro lugar, figura um esforço maior dos bancos em recompor o FGC no médio prazo, após o pagamento feito aos credores do Master. Além disso, permanece certa desconfiança do investidor em relação aos bancos de médio porte que pagavam remunerações muito altas.
Em relação à recomposição do FGC, os bancos contribuintes precisarão alocar recursos para recuperar o montante de liquidez do fundo. Esses custos acabam sendo repassados de forma diluída aos clientes. “No limite, todo recurso regulatório e prudencial — que são os custos relacionados à manutenção do sistema financeiro — acaba, de alguma maneira, sendo repassado para o cliente, ainda que de forma diluída”, afirma.
Segundo o professor, há mecanismos que podem ser utilizados para isso, como o spread de crédito, que compõe a taxa de juros cobrada de clientes. Trata-se do percentual que os bancos cobram além da taxa de captação e que lhes dá margem para assumir os riscos. Outra estratégia que pode ser adotada pelos bancos é reduzir as remunerações ao investidor. Por essa lógica, CDBs de bancos médios, que pagavam em torno de 120% do CDI, podem ficar mais raros.
FGC precisará arrecadar mais e custo vai para o consumidor, diz ex-presidente do fundo
O presidente do FGC, Daniel Lima, afirmou em entrevista ao site Neofeed que não há urgência para a recomposição do valor utilizado nas garantias ao Master. Hoje o FGC dispõe de R$ 122 bilhões em caixa. As estimativas são de que o montante a ser restituído a 1,6 milhão de pessoas é de cerca de R$ 41 bilhões.
Caso também seja decretada a liquidação do Master Múltiplo, que engloba o Will Bank, ainda podem ser disponibilizados entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões em garantias do FGC. Atualmente, o Master Múltiplo está em regime de Administração Especial Temporária, pois pode haver interesse de compra por parte de outras instituições.
Segundo Lima, o FGC dispõe de outros R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões de disponibilidade adicional em outra conta, a do Fundo de Resolução. O FGC trabalha com uma banda de liquidez e, quando os recursos chegam ao limite inferior da banda, o volume que ultrapassa esse patamar é transferido para o Fundo de Resolução.
Por outro lado, o ex-presidente do FGC, Jairo Saddi, afirma que os gastos do FGC com a liquidação do Master serão pagos por uns e não por outros, já que há fintechs e instituições que se beneficiam da estabilidade oferecida pelo fundo sem contribuir de fato.
Segundo ele, para recuperar as métricas o fundo precisará arrecadar mais, o que custá caro para a sociedade. “Quem vai suportar esse custo não serão os bancos. Serão os consumidores. No final, isso será transferido na forma de spread”, disse Saddi ao Brazil Journal.
Liquidação de grande banco poderia causar crise sistêmica
Jorge Santos, da ESPM, afirma que o caso do Master também serve como um grande “teste de estresse” para o sistema do FGC. Na avaliação do professor, qualquer instituição financeira de médio porte que entre em insolvência ou seja liquidada acaba testando o risco sistêmico. No entanto, o ocorrido pode acender outro alerta: apesar de ter passado longe de zerar o caixa do FGC, o caso do Master consumiu praticamente um terço dos recursos do fundo.
Assim, se fosse decretada a liquidação de um banco de grande porte, com participação maior nos ativos e nas captações do sistema, o professor entende que os recursos do fundo poderiam não ser suficientes para cumprir as garantias. “O volume potencialmente coberto pelo FGC poderia ultrapassar a capacidade atual do fundo. E isso exigiria a emissão de dívidas por parte do FGC”, disse.
Nesse caso, Santos explica que o FGC pode fazer chamadas extraordinárias de contribuição por parte dos bancos. Além disso, também seria possível se coordenar com o Banco Central e a União para evitar ruptura de confiança, corrida aos bancos ou outros efeitos colaterais da liquidação de uma grande instituição.
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Reestruturação deve evitar que bancos tirem proveitos das regras
A situação atual deu força aos questionamentos em relação ao sistema do FGC. Um dos pontos mais visados foi o modelo adotado para a contribuição, por meio de uma taxa fixa, também chamada de taxa flat. O uso de um mesmo percentual faz com que os “contribuintes” do FGC aportem na proporção dos depósitos que captam sob a garantia do fundo.
Ou seja, em termos relativos, cada instituição arca com o mesmo percentual em relação à quantidade de recursos que capta com a garantia do FGC. Em termos absolutos, contudo, os bancos e financeiras que captam mais contribuem com um volume maior.
O presidente do FGC afirmou que o sistema da taxa flat pode ter funcionado bem ao longo dos primeiros 30 anos do fundo. No entanto, com a rápida expansão do passivo coberto pelo FGC e com as mudanças no cenário e nas dinâmicas do mercado, pode ser preciso adotar um sistema diferente.
Lima avalia que não há muito como fugir de um componente que condicione os grandes recebimentos de depósitos a grandes desembolsos para o fundo, já que sempre haverá certa proporcionalidade com o quanto cada um capta. Contudo, é possível modificar a forma de dividir a conta.
“Hoje é como um grupo indo jantar: tem gente que toma refrigerante, tem gente que toma espumante. Até agora, temos dividido a conta proporcionalmente. Talvez seja hora de discutir outra forma de dividir a conta do restaurante”, afirmou. Mesmo assim, o executivo afirma que é preciso cautela para não criar soluções fáceis que possam levar determinados agentes a encontrar novas formas de tirar proveito das regras.
Estrutura de avaliação de riscos deve sofrer alterações
Outro ponto que está sendo questionado é a capacidade que o FGC tem de verificar possíveis riscos para o sistema e alertar o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN). Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da PUC-SP, defende que é preciso ampliar a discussão sobre a necessidade de promover um ajuste no FGC.
“É preciso voltar o olhar para o Banco Central, que tem um departamento de supervisão bancária. O Brasil sempre teve uma regulação bastante restritiva, uma supervisão muito comprometida. Então, chama a atenção o fato de o Banco Central não ter feito um movimento de supervisão sobre o que estava sendo criado dentro do Banco Master”, afirmou.
Helena relembra que, na crise de 2008, quando o banco americano Lehman Brothers quebrou, o Brasil passou sem nenhum arranhão. A Europa, ao contrário, teve uma crise bancária acentuada como desdobramento.
A esse respeito, Daniel Lima, do FGC, afirmou que o caso do Master ainda precisará ser bem estudado para que seja possível antever problemas e se precaver contra eles. “Sempre foi um motivo de apreensão, e agora vamos precisar entender o que pode ser ajustado no mecanismo para torná-lo perene”, comentou.
Segundo o executivo, antecipar situações como a do Master faz com que as consequências fiquem “mais baratas” para todos, inclusive para a sociedade. Desse modo, depois de fazer o ressarcimento aos lesados, o FGC poderá propor ajustes aos bancos e às financeiras, ao Banco Central e ao CMN. “Lembrando que não somos policy makers, acatamos as regras dos reguladores”, disse.
O que é o FGC
Criado em 1995, o Fundo Garantidor de Créditos é uma associação privada, integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN). A fim de contribuir para a manutenção da estabilidade do sistema, prevenir crises bancárias sistêmicas e proteger depositantes e investidores, o FGC prevê o pagamento de garantias, como no caso do Banco Master.
Além disso, o FGC ainda realiza operações de assistência de liquidez ou estrutural junto às instituições financeiras associadas, em situações pontuais de suporte a restrições temporárias de liquidez ou para apoio em reestruturações patrimoniais, viabilizando, por exemplo, a retirada organizada de uma instituição do mercado.
Essas operações de assistência são realizadas quando o custo social decorrente da liquidação de uma instituição associada supera o custo de sua realização.





