“Me tirou o sono. Fiquei estressado e com muito medo”, afirma o hematologista Mair Souza, 67, após receber o diagnóstico de câncer de próstata. “A questão da morte ficou me rondando por semanas. Foi bem tenso.”
Apesar de reconhecer que lidar emocionalmente com a notícia não estava sendo tão simples como imaginava, Mair não procurou ajuda profissional.
“Minhas filhas ficavam puxando minha orelha para eu fazer alguma coisa. Sugeriram até acompanhamento com um especialista”, diz.
No SUS (Sistema Único de Saúde), o tratamento psicológico para pacientes oncológicos é gratuito e faz parte da assistência integral à saúde. Mesmo assim, muitos homens relutam em buscar ajuda nesse sentido, segundo especialistas.
“A primeira coisa que a maioria dos pacientes relata é o medo da morte. Depois, vem o medo de não dar conta do tratamento, de que vão sofrer e não vão ter um resultado positivo. Mas eles não procuram os serviços da psicologia”, afirma Kátia Antunes, psico-oncologista e membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida, com 18 anos de experiência em centros oncológicos.
Antunes afirma que a resistência tem relação com pressões sociais a partir de um estereótipo de masculinidade, que diz que homens não podem chorar ou demonstrar fraqueza, fomentando a negação de emoções como raiva e tristeza, comuns após diagnóstico.
Esse padrão afasta os homens dos consultórios psicológicos, agravando problemas emocionais, como ansiedade e depressão.
Além disso, outros fatores podem agravar a situação, como dificuldades financeiras e logística durante o tratamento.Nem todos têm recursos para um tratamento oncológico de qualidade. Os custos podem ser elevados.
Além disso, muitos precisam sair do trabalho ou se deslocar para outras cidades durante o tratamento, o que envolve hospedagem em hotéis, casas de apoio ou com parentes.
“Tudo isso gera preocupações adicionais, impactando a saúde mental além do próprio tratamento”, afirma Andrade.
Segundo David Muniz, oncologista do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, os próprios tratamentos podem causar alterações de humor e impactar a saúde mental. A radioterapia e a cirurgia para remoção da próstata, por exemplo, podem trazer sequelas, como incontinência urinária e disfunção erétil, o que pode piorar o psicológico.
“Por isso, é fundamental que o paciente mantenha uma comunicação aberta e direta com a equipe multidisciplinar de saúde, que inclui médicos, psicólogos, fisioterapeutas e psiquiatras. Esse acompanhamento especializado ajuda a manejar os efeitos colaterais físicos e emocionais do tratamento”.
Quanto ao uso de medicamentos para tratar transtornos como ansiedade e depressão, o diagnóstico e a indicação de remédios devem ser feitos por psiquiatras, devido à necessidade de avaliar interações entre os remédios psiquiátricos e o tratamento oncológico.
Na perspectiva dos especialistas, o apoio de familiares e amigos também é essencial para enfrentar os desafios de forma mais leve e segura. Foi o que Mair fez.
“Eu acabei não procurando atenção do ponto de saúde mental porque eu sabia como eu iria me comportar. Eu achava que isso passaria logo, então fiquei junto das pessoas queridas e fazendo coisas que eu gosto. Ouvi músicas, assisti filmes e li coisas que não faziam terrorismo mental”, diz.
Embora o suporte de entes queridos beneficie o tratamento, pacientes frequentemente descontam a raiva na família.
“Quantas vezes já ouvi mulheres e esposas se queixando, dizendo que o marido estava muito irritado, mas não admitindo que precisava de ajuda”, afirma Antunes.
Segundo ela, a família é como uma “caixinha de surpresas” no contexto do câncer. Parentes podem ficar emocionalmente mais afetados que o próprio paciente ou, ao contrário, podem se fortalecer mutuamente para apoiar o doente.
“As dinâmicas variam. Tem filhos que brigam para não cuidar, ou para ficar. Alguns se isentam por falta de paciência, enquanto outros são proativos. O paciente percebe essas tensões e se deprime ainda mais”, diz Antunes.
A psico-oncologista afirma que as mulheres assumem a maior parte das responsabilidades, sofrendo maior sobrecarga, enquanto os homens costumam oferecer menos apoio durante doenças, o que pode levar a separações.
Nesses casos, é fundamental avaliar desde o início o impacto do câncer na dinâmica familiar para definir a melhor terapia, que inclui reorganizar emocionalmente a família, garantindo o bem-estar de todos os envolvidos.
Os tratamentos psicológicos para pacientes com câncer podem ocorrer de forma individual ou em grupo, dependendo das necessidades e preferências dos pacientes.
A psicoterapia individual é indicada para aqueles que têm mais dificuldade de se expor, proporcionando um ambiente seguro para expressar sentimentos e medos.
Já os grupos de apoio, especialmente separados por gênero, são importantes para criar um espaço de troca, reduzir tabus e fortalecer o enfrentamento emocional por meio do compartilhamento entre pessoas que vivenciam experiências semelhantes.
Esta reportagem faz parte do projeto Vita, desenvolvido com apoio do Hospital Sírio-Libanês





