segunda-feira, dezembro 1, 2025

metade dos brasileiros não tem reservas

Metade dos trabalhadores brasileiros não consegue fechar as contas no fim do mês sem buscar dinheiro extra, aponta pesquisa da SalaryFits, empresa da Serasa Experian. O resultado é uma população sem colchão financeiro: 52% das pessoas não têm qualquer tipo de reserva financeira, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A vulnerabilidade se manifesta no endividamento crescente. Em outubro, 30,5% das famílias brasileiras tinham dívidas em atraso, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pior: 13,2% afirmaram não ter condição de pagá-las. No sistema financeiro, a inadimplência das pessoas físicas atingiu 6,7% da carteira em agosto — o maior nível desde fevereiro de 2013, conforme o Banco Central.

Quatro perfis, um abismo social

A estrutura da poupança brasileira expõe desigualdade profunda. A Anbima divide a população em quatro perfis financeiros — e a distância entre eles é brutal:

• 52% não têm reservas: nenhuma quantia guardada para emergências.

• 12% economizam, mas não investem: guardam dinheiro sem aplicá-lo em produtos financeiros.

• 20% usam apenas a poupança tradicional: desconhecem ou não acessam alternativas mais rentáveis.

• 17% diversificam investimentos: buscam diferentes produtos para multiplicar patrimônio.

O quadro se agravou. O percentual de brasileiros com algum tipo de reserva caiu de 44% em 2017 para 37% em 2024 — recuo de sete pontos em sete anos.

Em agosto, 48,2% da população estava negativada — o maior índice desde 2016, segundo a Serasa. O ciclo é perverso: sem reservas, qualquer imprevisto vira crise. Para cobrir emergências, recorre-se ao crédito. Com juros elevados, sobra ainda menos para poupar. E o crédito brasileiro está entre os mais caros do mundo.

A vulnerabilidade elimina planejamento de longo prazo. Comprar um imóvel, financiar educação dos filhos, garantir aposentadoria digna — tudo se torna inatingível. A vida se resume à gestão do mês corrente.

Por que o brasileiro não tem poupança?

As causas são múltiplas e se reforçam: renda insuficiente, endividamento crônico, ausência de educação financeira, cultura do consumo imediato e trauma histórico de instabilidade econômica. Cada fator isolado já seria obstáculo grave. Combinados, criam barreira quase intransponível.

Quando não sobra nada no fim do mês

A primeira barreira é a mais óbvia: renda insuficiente. Para metade dos brasileiros, o salário mal cobre despesas básicas — moradia, alimentação, transporte, saúde. Não se trata de escolha ou má gestão. É matemática: quando a renda se esgota antes do fim do mês, não há o que guardar.

O desemprego e a informalidade agravam o cenário, embora ambos estejam em níveis historicamente baixos para os padrões nacionais — 5,6% de desemprego e 37,8% de informalidade no segundo trimestre de 2024, segundo o IBGE. Os informais vivem na incerteza: sem renda fixa ou previsível, a prioridade se torna sobreviver ao mês corrente. Mesmo entre formalmente empregados, salários estagnados e alta rotatividade impedem reservas consistentes.

“Grande parte da população vive no limite do orçamento”, diz André Braz, coordenador dos índices que medem o custo de vida no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

O crédito caro que impede de poupar

Mesmo quando há margem para poupar, o endividamento consome os recursos. O crédito brasileiro está entre os mais caros do mundo. Juros do rotativo do cartão ultrapassam 400% ao ano; cheque especial cobra até 130%. Quem recorre a essas modalidades para cobrir emergências entra em espiral: as parcelas acumuladas comprometem a renda dos meses seguintes.

Facilidades amplificam o problema. Parcelamentos “sem juros”, compras on-line em um clique, crédito pré-aprovado — tudo cria ilusão de que o dinheiro está disponível. O comprometimento do futuro só fica evidente quando o orçamento já não fecha.

O vazio da educação financeira

Dados da Anbima revelam que 72% dos brasileiros desconhecem produtos de investimento além da caderneta de poupança. Juros compostos, inflação, diversificação de ativos — conceitos básicos para qualquer investidor são mistérios para a maioria.

“As pessoas não compreendem mecanismos fundamentais como juros compostos e a importância de poupar para a aposentadoria”, afirma Guilherme Almeida, head de renda fixa da Suno Research.

O desconhecimento gera erros em cascata: dinheiro parado na conta corrente, aceitação de taxas abusivas, investimentos inadequados. Muitos sabem que deveriam poupar, mas não conseguem traduzir intenção em ação. Faltam método e disciplina: separar porcentagem fixa da renda no início do mês, automatizar transferências, criar metas concretas.

O problema começa cedo. “Há ausência de educação financeira muito grande tanto nas escolas quanto dentro de casa”, observa Leandro Klug, consultor de investimentos do Sistema Ailos. Famílias endividadas não transmitem bons exemplos. Escolas não ensinam o básico. O resultado é uma geração após outra que aprende sobre dinheiro na prática — por tentativa e erro.

A cultura do imediatismo

Há também uma dimensão comportamental. Pesquisa da Anbima de 2023 revela que 40% dos brasileiros preferem receber uma quantia menor hoje, mas usufruindo imediatamente de todo o dinheiro, a receber mais tendo de guardar uma parte e depois colher os juros no futuro — uma evidência de forte preferência pelo presente.

Publicidade massiva, redes sociais criando pressão por status e facilidade do crédito alimentam essa cultura. A gratificação adiada — essência da poupança — perde espaço para a satisfação instantânea.

O padrão se repete entre gerações. Jovens adultos cresceram em ambiente de estímulos constantes e recompensas imediatas. Para esse público, poupar soa como renúncia, não como investimento em segurança. A ideia de abrir mão do consumo presente para garantir o futuro encontra resistência cultural crescente.

O trauma da instabilidade econômica

O trauma histórico também molda a relação brasileira com poupança. Décadas de hiperinflação nos anos 1980 e 1990, confisco de poupança no Plano Collor (1990), moedas que perderam valor da noite para o dia — tudo criou desconfiança profunda. Para quem viveu esses episódios, guardar dinheiro não era segurança: era risco. A lógica era gastar enquanto o dinheiro ainda valia alguma coisa.

Essa mentalidade, forjada em décadas de caos, foi transmitida às gerações seguintes. Mesmo após 30 anos de estabilização pós-Plano Real, a desconfiança persiste. “Choques econômicos frequentes levam famílias e empresas a preferirem liquidez de curto prazo”, explica André Braz, do FGV Ibre. A volatilidade política e econômica recente reforça o padrão: crises sucessivas e mudanças bruscas nas regras do jogo desestimulam planejamento de longo prazo.

O investidor brasileiro está mudando — mas é minoria

Apesar do cenário grave, há movimento em curso. Embora menos brasileiros poupem — o percentual caiu de 44% em 2017 para 37% em 2024 —, aqueles que permanecem no sistema estão diversificando. É mudança concentrada no topo da pirâmide, longe de atingir a massa.

A caderneta de poupança, sinônimo de investimento por décadas, perdeu protagonismo. Em 2017, 89% dos investidores a utilizavam; em 2024, apenas 64%, segundo a Anbima. A queda reflete busca por alternativas mais rentáveis.

Títulos privados ganharam espaço expressivo: de 4% para 17% entre 2017 e 2024. CDBs, debêntures e LCIs, antes exclusivos de investidores sofisticados, ganham popularidade na classe média. Retornos superiores à poupança, segurança do FGC e oferta em plataformas digitais explicam o crescimento.

Fundos de investimento triplicaram participação: de 5% para 15%. Multimercados, renda fixa e ações tornaram-se acessíveis com redução de aportes mínimos e popularização de aplicativos. O investidor deixa de ser apenas poupador e passa a delegar gestão profissional.

Ativos digitais já estão em 11% dos portfólios, destaca a Anbima. Bitcoin, Ethereum e stablecoins atraem principalmente jovens em busca de rentabilidade elevada — e expostos a alta volatilidade.

Três forças explicam a transformação: maior educação financeira, digitalização dos serviços e juros reais positivos tornando investimentos mais atraentes que consumo. Mas a mudança não alcança a base: 65% dos não investidores pertencem às classes C, D e E. Enquanto a classe média alta diversifica, a pirâmide permanece excluída.

Como reverter o cenário de baixa poupança

Reverter o quadro exige ação coordenada em múltiplas frentes. Especialistas apontam três pilares: educação financeira massiva, produtos acessíveis à base da pirâmide e reformas macroeconômicas que reduzam juros e estimulem planejamento de longo prazo.

Educação financeira como prioridade nacional

O Brasil precisa de educação financeira em escala. Sem alfabetização básica sobre dinheiro, qualquer outra medida terá impacto limitado.

A solução começa na escola. Crianças que aprendem cedo a lidar com dinheiro tornam-se adultos financeiramente mais saudáveis. Alguns estados iniciaram programas-piloto, mas a escala precisa ser nacional e permanente.

O setor privado tem papel complementar. Bancos, fintechs e corretoras podem investir em conteúdo educacional gratuito: webinars, aplicativos gamificados, simuladores de investimento. O objetivo é mostrar os benefícios concretos de poupar e investir, construindo ponte entre desejos presentes e conquistas futuras.

Investimentos acessíveis à maioria

Educação financeira sozinha não resolve. Os produtos disponíveis precisam se encaixar na realidade da população. Aplicações mínimas de R$ 1 mil ou R$ 5 mil excluem milhões. Algumas fintechs já oferecem aportes iniciais de R$ 10, R$ 50 ou R$ 100 — caminho necessário para incluir a base da pirâmide.

A simplificação é igualmente crítica. O brasileiro médio não precisa escolher entre 300 tipos de fundos. Precisa de opções claras, seguras e rentáveis. Produtos padronizados, com linguagem acessível e comparação transparente de custos, reduzem a barreira de entrada.

A previdência privada merece atenção especial. Com o sistema público pressionado, é necessário estimular planos acessíveis, com incentivos fiscais que alcancem todas as faixas de renda e portabilidade garantida. Trabalhadores informais precisam de alternativas viáveis para garantir renda na velhice.

Os números da Superintendência de Seguros Privados (Susep) mostram o problema: desde 2020, os resgates superam as contribuições na modalidade PGBL, e as contribuições líquidas do VGBL estão no menor nível em cinco anos.

Reformas macroeconômicas inadiáveis ajudariam a estimular poupança

Nenhuma mudança comportamental resistirá em ambiente macroeconômico hostil. Juros reais elevados, inflação persistente e instabilidade fiscal corroem a confiança e desestimulam planejamento de longo prazo.

O ajuste fiscal é o ponto de partida. Um Estado que gasta mais do que arrecada, convive com déficits crônicos e dívida crescente transfere o custo para o cidadão via inflação e juros altos. “Os déficits recorrentes elevam o prêmio de risco, encarecem o crédito e desestimulam poupança e investimento”, diz Braz, do FGV Ibre.

Yihao Lin, da Genial Investimentos, é direto: o baixo nível de poupança doméstica decorre da má gestão histórica de gastos públicos. Um governo que se endivida constantemente, gerando déficits, precisa buscar financiamento — e esse custo recai sobre toda a economia.

A reforma previdenciária também não pode parar. O sistema atual é insustentável no médio prazo devido às mudanças demográficas. Paulo Feldman, professor da FIA Business School, aponta que a Previdência pública generosa reduz incentivos para poupança privada. Quando o Estado garante renda na velhice, o indivíduo tende a consumir mais no presente.

Incluir quem fica de fora pode estimular poupança

Políticas públicas devem mirar explicitamente a inclusão financeira. Trabalhadores informais, população de baixa renda, moradores de regiões remotas — todos permanecem excluídos do sistema. Mecanismos de poupança com aportes mínimos baixos e incentivos fiscais diretos são necessários para expandir a base.

“Se conseguirmos ajudar por meio de educação financeira, vamos trazer pessoas de baixa renda para o mercado”, afirma Guilherme Almeida, da Suno Research. A inclusão amplia a base da pirâmide e fortalece a economia.

O futuro da poupança brasileira depende de enfrentar simultaneamente desafios de renda, educação e reformas estruturais. O problema é multidimensional; a solução também precisa ser. Metade dos brasileiros vive sem rede de segurança financeira. Esse não é apenas um problema individual — é uma vulnerabilidade nacional que compromete investimento, crescimento e planejamento de longo prazo.

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