segunda-feira, dezembro 1, 2025

Trump prometeu acabar com Aids, mas governo corta recursos – 30/11/2025 – Equilíbrio e Saúde

Em 2019, último ano do primeiro mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o governo americano estabeleceu uma plano para erradicar a epidemia da Aids no país até 2030. No entanto, as políticas de seu segundo mandato vêm deixando essa promessa cada vez mais distante.

Na semana passada, a administração Trump cancelou a participação dos EUA do Dia Mundial da Luta contra a Aids, comemorado todos os anos, desde 1988, em 1º de dezembro. O Departamento de Estado disse ao The New York Times que um dia de conscientização não é uma estratégia eficaz para erradicar a doença, e que tem dialogado diretamente com outros países para “aumentar sua responsabilidade”.

Não é o que as ações do governo têm mostrado. A administração tem feito cortes bilionários em ajuda externa para erradicar o HIV/Aids, causando o fechamento de clínicas comunitárias por toda a África. O mote de Trump “America First”, ou “América em Primeiro Lugar”, em português, visa justificar as ações de política externa, considerando que o interesse deste governo seria priorizar os Estados Unidos, mas as suas ações em relação à Aids também prejudica a erradicação da epidemia no seu próprio país.

A divisão de prevenção e vigilância de HIV do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) foi fechada em um corte de mais de U$ 1,5 bilhão (R$ 8 bilhões) do plano fiscal de 2026. O departamento financiava ações de prevenção e detecção do HIV em estados e territórios americanos. Apesar do orçamento manter programas que financiam o tratamento, a prevenção de novos casos fica desassistida.

O governo Trump encerrou um programa de U$ 258 milhões (R$1,3 bilhões) de pesquisa de vacinas contra o HIV, liderado pela Universidade Duke e o Instituto de Pesquisa Scripps. Os NIH (institutos nacionais de saúde) também encerraram o financiamento para um ensaio clínico de uma vacina produzida pela farmacêutica Moderna.

“Não há dúvida de que os cortes de financiamento e as políticas autoritárias que vimos no último ano definitivamente vão contra os objetivos originais”, afirma Cheriko Boone, diretor de projetos de HIV da TAG (Treatment Action Group), uma organização americana sem fins lucrativos, que foi fundada por ex-membros da Act Up (Coalizão Contra a Aids para Liberar o Poder), movimento ativista histórico criado em resposta à epidemia nos anos 1980.

Estudos analisados por pesquisadores da Universidade Duke e da Universidade de Washington indicam que os cortes feitos tanto nos EUA quanto em outros países podem gerar 10 milhões de novas infecções por HIV, incluindo uma estimativa de 1 milhão de crianças, e 3 milhões de mortes até 2030.

Boone se refere aos cortes como “tremendos e drásticos”. “O que vimos no último ano é que a administração Trump realmente destruiu as atividades tradicionais de desenvolvimento internacional e saúde global e, ao mesmo tempo, também destruiu a infraestrutura de saúde pública e a infraestrutura de saúde pública do HIV dentro dos EUA.”





O que vimos no último ano é que a administração Trump realmente destruiu as atividades tradicionais de desenvolvimento internacional e saúde global e, ao mesmo tempo, também destruiu a infraestrutura de saúde pública de combate ao HIV dentro dos EUA

O epidemiologista Gregg Gonsalves, professor associado da Universidade Yale, trabalha com HIV/AIDS e saúde global há mais de 30 anos. Ele afirma que o desmonte das políticas é resultado da presença de pessoas que não acreditam na ciência no governo americano —diz que dentro da gestão há quem queira deliberadamente destruir o sistema de saúde dos EUA. “Se alguém conseguir responder o porquê de eles quererem fazer isso, essa pessoa ganha o Prêmio Nobel.”

O secretário de saúde, Robert F. Kennedy Jr., negou publicamente a relação causal entre o HIV e a Aids, contrariando evidência científica. Tanto ele quanto Trump alegam que vacinas podem estar associadas a condições médicas, como o autismo. O presidente americano também vinculou o autismo ao uso de paracetamol na gravidez.

Segundo o relatório de prevalência de HIV/Aids do CDC de 2023, a população mais afetada —e consequentemente mais afetada também pelos cortes— são homens negros, que mantêm relações sexuais com outros homens.

“Essas pessoas [políticos] têm um ódio específico pela população LGBTQIAP+, especialmente pessoas transgênero. E também pelos americanos negros e os imigrantes”, diz Gonsalves. “Mas eles estão enfraquecendo tanto a infraestrutura da saúde que vai acabar desabando em todos, mais cedo ou mais tarde.”

Boone acrescenta que argumentar que se trata de uma política “America First” não faz sentido, porque certos grupos de americanos nunca foram colocados em primeiro lugar na história do país. Eles são o rosto da epidemia do HIV/Aids: pessoas negras, mulheres, a comunidade transgênero, que “não tem acesso aos medicamentos preventivos no mesmo nível que os homens brancos gays têm, por exemplo.”

Um estudo publicado na revista Lancet em 2023 analisou o acesso à PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) nos EUA por raça, etnia, sexo e região do país. A pesquisa concluiu que, entre 2012 e 2021, o uso aumentou entre a população americana no geral, enquanto a equidade de acesso para americanos pretos e hispânicos diminuiu.

No auge da epidemia, entre os anos 1980 e 1990, o grupo Act Up foi fundado por ativistas gays em resposta à crise da Aids e às ações do governo na época. O grupo promoveu diversas ações para chamar atenção para a prevenção e pedir infraestrutura de serviços e acesso a medicamentos, se tornando símbolo da militância contra a Aids.

Gonsalves afirma que esse movimento do governo atual coloca a população em risco não apenas em relação ao HIV/Aids, mas para todas as outras questões de saúde. Por exemplo, a queda na vacinação levou os EUA a estarem vivenciando a maior epidemia de sarampo do século 21.

“Acredito que o que tem acontecido até agora vai levar gerações para ser reparado nos Estados Unidos”, afirma. “A destruição que fizeram em apenas dez meses é astronômica, e ainda temos mais três anos de mandato. Então o estrago continuará sendo feito.

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