“Lembro, muito especialmente a mulher paulista, que nesta hora decisiva o voto é ainda mais sagrado e qualquer voto disperso poderá beneficiar extremistas”, disse Carolina Amália Galvão, à época com 98 anos, em entrevista veiculada em um anúncio político na Folha da Manhã em 29 de novembro de 1945.
A quase centenária defendia que as mulheres votassem no brigadeiro Eduardo Gomes para a Presidência. O militar da UDN (União Democrática Nacional) reuniu o apoio antigetulista nas primeiras eleições democráticas da história brasileira, pouco mais de um mês após o fim da ditadura do Estado Novo.
Foi a primeira vez que as mulheres puderam votar para presidente. Apesar de terem conquistado o direito ao voto em 1932, as eleições de 1934 foram indiretas, e as de 1938 foram canceladas com o golpe de Getúlio Vargas em 1937.
O peso da novidade, porém, foi diluído em um contexto de abertura maior, já que 2 de dezembro de 1945 foi também a primeira vez que muitos homens puderam votar no Brasil, como lembra Mônica Karawejczyk, doutora em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“Na República Velha havia mais restrições ao voto, como no caso de inscritos em ordens religiosas. Além disso, o voto era facultativo em um país com pouco acesso à educação. O código eleitoral de 1932 trouxe a obrigatoriedade do voto para todos”, diz.
Rafael Navarro, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que a maior novidade do pleito foi, de fato, a ampliação da base eleitoral.
“A eleição de 1945 é marcante, sobretudo, porque marca a democratização real do Brasil. Antes dela, uma parcela muito restrita da população votava, inclusive homens.”
Menos de 2 milhões de eleitores, cerca de 5% da população brasileira, participaram da eleição de 1930, a última da Primeira República. Em 1945, foram às urnas 6 milhões de pessoas, pouco mais de 13% do total.
O contingente eleitoral ainda excluía os analfabetos, que eram mais de 50% da população, segundo o Censo de 1940.
Para a professora Hildete Pereira de Melo, da UFF (Universidade Federal Fluminense), os candidatos presidenciais de 1945 não fizeram campanhas voltadas às mulheres. “Eles não estão preocupados com o voto feminino. No máximo, faziam blocos ligados às suas esposas e filhas”, afirma.
Ela lembra o apoio de esposas de militares à candidatura de Eduardo Gomes, com organização de chás e eventos sociais em que eram servidos doces de chocolate que entraram para a culinária brasileira com o nome de brigadeiro.
Há diferentes versões sobre a origem do doce, inclusive de que ele já existia antes das eleições e só foi ganhar esse nome posteriormente. Mas é fato que a associação com a campanha do militar pelas mulheres da alta sociedade da época ajudou a firmá-lo na cultura nacional.
Como na época não havia institutos de pesquisa consolidados, não é possível atestar uma preferência do eleitorado feminino pelo brigadeiro (que era bonito e solteiro, segundo os jingles populares da época), por Dutra (o eleito e ungido por Vargas) ou por Iedo Fiúza (o candidato comunista).
Hildete avalia que a dinâmica do voto na primeira experiência democrática brasileira pode não ter sido afetada por questões de gênero. “O voto era mais definido pela classe social, pelas ligações familiares e pela religião”, diz, lembrando do peso da Igreja Católica na escolha dos candidatos.
Estes, por sua vez, ainda não tinham uma estratégia definida para conquistar os eleitores, já que a democracia era um cenário novo.
“Os candidatos se organizam pelo rádio e nos jornais, que entregavam as cédulas de votação para os eleitores”, conta Rafael.
Nas páginas das Folhas da Manhã e da Noite, que podem ser consultadas no Acervo da Folha, os partidos colocavam anúncios apelando aos eleitores por diferentes caminhos, como nos textos comunistas exaltando os trabalhadores, ou nas tentativas da UDN e do PSD (Partido Social Democrático) de conseguir o voto católico.
Em um texto de 30 de novembro, antevéspera da eleição, o então presidente das Folhas, Nabantino Ramos, falou do que via como fragilidade da recém-instaurada democracia brasileira, dizendo que ainda que fosse eleito, o candidato comunista Iedo Fiúza não seria autorizado a tomar posse pelos militares.
No fim, um militar venceu a eleição. O general Eurico Gaspar Dutra recebeu 55% dos votos válidos e se tornou o 16º presidente do Brasil quase dois meses depois, em 31 de janeiro de 1946, dando início ao primeiro período democrático no país.





