Ao definir a receita mínima dos motoristas como base de cálculo para as contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o projeto de lei que regula o trabalho em aplicativos de transporte (PLP 152/2025) pune quem remunera melhor os trabalhadores e beneficia as gigantes Uber e 99, diz o CEO do aplicativo de transporte inDrive no Brasil, Stefano Mazzaferro.
“Isso cria uma situação extremamente anticoncorrencial, que consolida e concentra mais ainda o mercado, e incentiva as plataformas a subir taxas, aumentando a própria receita e pagando menos”, afirma o executivo em entrevista à Folha.
Com taxas menores que as da concorrência, a inDrive propõe que a contribuição das empresas ao INSS seja recolhida sobre a receita. Também sugere que plataformas com maior nível de controle sobre o trabalho no aplicativo – detalhamento das corridas e punições por cancelamento, por exemplo– sejam alvo de alíquotas maiores.
No modelo de negócios da empresa de origem russa, a corrida solicitada pelo passageiro é exibida para todos os motoristas de uma determinada área, que podem rejeitar o lance inicial sugerido pelo usuário, aceitá-lo ou fazer uma proposta de valor mais vantajosa.
O usuário paga diretamente ao motorista, sem intermediação da plataforma. As taxas de comissão cobradas pela inDrive -de 10% a 12% sobre o valor da corrida, segundo Mazzaferro- são debitadas de um crédito depositado previamente pelo trabalhador.
Procurado, o relator do projeto, deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos-PE), diz que o texto vai contemplar a diversidade de modelos de intermediação, prevendo diferentes bases de cálculo conforme o formato adotado por cada aplicativo. A expectativa é que o relatório seja apresentado esta semana.
Procurada, a Uber informou que a posição da empresa é a mesma da Amobitec (Associação Brasileira das Empresas de Mobilidade). A 99 não se manifestou.
A Amobitec (Associação Brasileira das Empresas de Mobilidade), que tem entre os seus associados as líderes de mercado Uber e 99, afirmou em nota que transferir a base de cálculo da Previdência para o faturamento das plataformas não assegura a inclusão previdenciária de motoristas.
Para a entidade, esse modelo criaria assimetria entre as plataformas por “permitir que empresas com modelos de intermediação distintos contribuam de forma desvinculada do ganho real do trabalhador”.
Confira a entrevista.
Entre outros pontos, o projeto de lei que regulamenta o transporte por aplicativo prevê remuneração mínima por hora trabalhada, contribuição previdenciária e limites nos descontos efetuados pelas plataformas. Qual é a posição da inDrive a respeito do texto?
O PL, pelo menos na sua última versão, traz algumas distorções que vão prejudicar os usuários, principalmente os motoristas.
Acho que a mais importante de todas está relacionada à contribuição previdenciária. A contribuição está incidindo sobre o ganho líquido do motorista. Isso faz com que as plataformas que têm uma taxa mais alta, ou seja, em que o motorista ganha menos, contribuam menos.
Para você ter uma noção, a contribuição social atual [da forma como está no projeto] representaria 40% da receita da inDrive e de plataformas alternativas também.
Isso cria uma situação extremamente anticoncorrencial, que consolida e concentra mais ainda o mercado e incentiva as plataformas a subir taxas, aumentando a própria receita, para pagar menos.
Qual é a proposta da inDrive?
As plataformas tradicionais da nossa indústria controlam muito a experiência. Definem o preço, definem qual corrida vai pagar qual motorista.
A gente acredita que deveria haver regras mais rígidas para as plataformas com alto nível de controle, e menos [rígidas] pra quem tem um menor nível de controle.
Que regras seriam essas?
Transparência sobre os preços e sobre as taxas, não ter banimento de motorista por conta de cancelamentos.
A inDrive também propõe uma mudança na base de cálculo da contribuição previdenciária?
Nossa proposta é taxar a receita da empresa. E aí dessa maneira as empresas que estão tirando mais do motorista vão contribuir mais.
E as plataformas que cobram menos ou mediam menos [a relação entre motorista e passageiro] devem ter alíquotas menores.
A taxa fixa de até 30% por corrida [cobrada do motorista], estipulada pelo projeto, afetaria uma das vantagens de dirigir pelo aplicativo?
Por um lado, tira uma das grandes vantagens competitivas dos concorrentes, que é ter taxas variáveis, algo que dá muito dinheiro. Mas aproximaria eles do nosso modelo de negócio.
Do ponto de vista do motorista, ter uma taxa fixa transparente é sempre melhor. Tenho confiança de que a inDrive consegue sustentar a taxa que tem hoje.
Alguns motoristas se opõem à cobrança da contribuição social, com receio de que isso afete os ganhos.
Vai afetar. A questão é quanto e com quais incentivos.
A gente não é contra a contribuição. Pelo contrário, a gente quer que o motorista tenha respaldo previdenciário. Essas pessoas não estão cobertas hoje na Previdência, que é um direito básico. Então a gente acredita que as empresas têm que contribuir. Só precisa contribuir de uma forma que não seja anticoncorrencial.
Por que a inDrive não está na Amobitec?
A entrada na Amobitec seria uma decisão contraditória, porque se esperaria que a gente se alinhasse à indústria em termos de interesses e pautas, o que não é a realidade no momento.
Recentemente a Uber e a 99 também testaram e implementaram o serviço de negociação. Como avalia essa decisão da concorrência?
Eu pessoalmente fiquei extremamente satisfeito. Quer dizer que eles estão copiando o modelo que funciona.
Acho que para nós é bom porque educa os usuários sobre essa modalidade.
Não afetou a fatia de mercado de vocês?
Nosso market share não caiu.
Pesquisa Datafolha com motoristas de aplicativo mostrou que a maioria é contrária à regulamentação do trabalho. Como avaliam isso?
O motorista é como se fosse um pequeno empreendedor. Ele quer liberdade de trabalhar quando quiser e quer renda. Tudo que impacta isso ele vai ser contra.
Na hora que se introduz a contribuição social, ele vai ser contra. Sindicalização, vai ser contra. Tudo que reduz esse grau de liberdade sempre vai ter muita resistência dos motoristas.
Como enxergam a discussão sobre uberização no STF?
Entramos com amicus curiae no STF, como terceira parte interessada, para contribuir através do nosso modelo de negócio.
Todo esse debate está muito relacionado com o nível de controle que a plataforma exerce sobre o trabalho. O STF tem considerado, dentro do que eles chamam de subordinação algorítmica, uma nova forma de controle do trabalhador.
A gente foi lá para mostrar como o nosso modelo de negócio exclui todos os elementos que definem a subordinação: não é a plataforma que paga o motorista, é o motorista que paga de forma pré-paga. Não é a plataforma que define os serviços, ele escolhe o preço e as corridas que quer.
Raio-X | Stefano Mazzaferro, 33
Formado em administração de negócios pela Universidade Luigi Bocconi (Itália), Stefano Mazzaferro tem dez anos de experiência em áreas como vendas, operações e crescimento. Já atuou em empresas como Ambev, 99 e Kovi. Stefano é formado pela Universidade Luigi Bocconi, Universidade de Queensland, Universidade Fundan e ISE Business School. É country manager da inDrive no Brasil desde 2024.





