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O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou nesta sexta-feira (17) que enfermeiros possam auxiliar o procedimento de aborto nos casos permitidos pela legislação. Na mesma decisão, ele suspendeu procedimentos administrativos e penais assim como processos e decisões judiciais contra essas categorias nessa atuação.
O artigo 128 do Código Penal, que trata das exceções legais, cita apenas médicos ao tratar das situações não puníveis. Assim, Barroso amplia a ressalva aos enfermeiros e técnicos.
“Em razão do déficit assistencial que torna insuficiente a proteção de mulheres e, sobretudo, de meninas vítimas de estupro, fica facultado a profissionais de enfermagem prestar auxílio ao procedimento necessário à interrupção da gestação, nos casos em que ela seja lícita”, disse.
Poucas horas depois, cinco ministros já haviam votado para derrubar a liminar de Barroso: Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Em outro ponto da decisão, Barroso afirma que outra exigência não prevista em lei que cria barreiras à interrupção lícita da gravidez é a limitação da idade gestacional em que a interrupção pode ser feita. Aqui, ele determina que o poder público não crie óbices ao aborto legal e nem exija boletim de ocorrência para atendimento de saúde.
“O Brasil ignora parâmetros científicos internacionalmente reconhecidos, mantendo uma rede pública insuficiente, desarticulada e desigual. De acordo com orientações internacionais da OMS, de 2022, o aborto é uma intervenção segura e não complexa que pode ser gerida de maneira eficaz pelo uso de medicamentos, em especial nos estágios iniciais da gestação.”
Apenas Gilmar incluiu documento de sua manifestação contrária a Barroso. O decano do Supremo afirma ter se posicionado por entender não haver necessidade de uma liminar. Uma das razões para uma decisão do tipo é o receio de que a demora da decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação.
“No caso, sem adentrar em quaisquer dos aspectos pertinentes à matéria de fundo, entendo que não se faz presente o periculum in mora. A ADPF 989 foi proposta em 29.6.2022, tendo o ministro Fachin, então relator, requisitado informações em 30.6.2022. Desde então o feito seguiu seu trâmite regular. […] Já a ADPF 1.207 foi proposta em 3.2.2025, tendo tido um único andamento relevante, em 10.4.2025. Nesse sentido, entendo que a ausência de qualquer fato novo que justifique a atuação monocrática do Ministro Relator”, disse o ministro.
Este é o último dia de Barroso como ministro do Supremo, já que ele antecipou sua aposentadoria.
“A ausência de políticas públicas que assegurem o acesso efetivo ao aborto legal obriga meninas e mulheres a suportar uma gestação forçada, configurando revitimização e sofrimento contínuo”, disse.
O ministro colocou as liminares para referendo do plenário da corte. Cabe ao presidente Edson Fachin marcar a sessão para análise da confirmação da decisão.
Segundo o relator, a dificuldade de acesso ao aborto legal é uma violação à vedação da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. “A mulher que, após sofrer estupro, é compelida a manter uma gravidez indesejada, experimenta uma forma de tortura psicológica.”
Barroso também ressaltou a proteção às crianças, considerando que o Brasil registra, de acordo com dados citados por ele, em média, mais de 16 mil partos por ano de meninas menores de 14 anos, número que chega a 49.325 partos entre 2020 e 2022.
“O cenário brasileiro evidencia uma grave omissão estrutural do Estado na garantia do aborto lícito no Brasil, em especial a meninas, mulheres e homens transsexuais vítimas de estupro. Embora o direito esteja assegurado em lei, o acesso efetivo é limitado e desigual”, afirmou.
Barroso citou dados do Cadastro Nacional de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, que registra 166 hospitais habilitados a realizar o aborto lícito em todo o país. Essas unidades de saúde estão em apenas 3,6% dos municípios brasileiros, mais de 40% delas no Sudeste.
Ao mesmo tempo, a manifestação do Ministério da Saúde na ação aponta que “entre 2008 e 2015 ocorreram em média 200 mil internações por ano por procedimentos relacionados ao aborto. De 2006 a 2015, foram encontrados 770 óbitos maternos como causa básica aborto”. O documento registra, ainda, que a maioria das mortes maternas são evitáveis.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) é contra a permissão para enfermeiros realizarem abortos legais. “É [uma decisão] absurda, que coloca em risco as mulheres. A enfermagem não tem como tratar as diversas possíveis complicações do ato, e os médicos que terão que lidar com os casos que complicarem”, disse o conselheiro federal Raphael Câmara à Folha nesta sexta.
“É uma invasão ao ato médico. Descumpre não só o código penal, mas também a lei do ato médico de 2013”, afirma. O conselho estuda como atuar em resposta à decisão de Barroso.
Também nesta sexta, o ministro decidiu votar na ação que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de gestação como um de seus últimos atos na corte antes da aposentadoria. Ele acompanhou a relatora original, Rosa Weber, e se posicionou de forma favorável à legalidade do procedimento.
A decisão nas duas ações, dada de forma conjunta, teve mais fôlego que o voto no processo mais amplo. No primeiro caso, o ministro herdou a relatoria de Edson Fachin quando este assumiu a presidência da corte, no início do mês. As duas foram distribuídas ao mesmo relator por tratarem do mesmo texto legal.
Na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 442, que pede a descriminalização da interrupção da gestação, o ministro entendeu importante registrar os elementos principais do seu entendimento, mas de forma sintética, acompanhando o voto de Rosa Weber, mais longo e fundamentado. Como nas outras duas ações se tornou relator, precisaria organizar a decisão de forma mais detalhada.
“O que está em jogo são situações verdadeiramente dramáticas, em que há décadas se reconhece o direito da mulher à interrupção da gestação. O primeiro caso é da gestação de alto risco, que a mulher pode morrer se seguir com a gravidez. O segundo é aquele em que a mulher engravida de seu estuprador. O terceiro é o caso em que existe certeza de que o feto não possui condições de sobreviver após o parto. Nessas três hipóteses, embora exista um direito ao aborto, mulheres por todo o Brasil não conseguem exercê-lo devido à ausência de políticas públicas adequadas”, disse, citando os casos autorizados por lei.
Segundo ele, há um impacto desproporcional sobre mulheres negras, pobres e residentes de regiões não urbanas. “Elas precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes acarretam elevados riscos de lesões, mutilações e óbito”, disse.
Assim, Barroso defende que a atuação da corte tem por objetivo garantir a efetividade de um direito reconhecido desde a década de 1940.
A ADPF 1207 pede pela possibilidade de que outros profissionais de saúde, como enfermeiros, realizem o aborto legal. A ADPF 989 pede que o Supremo crie mecanismos para assegurar o direito à interrupção da gestação nas hipóteses já permitidas pelo Código Penal (risco à vida da gestante e gravidez por estupro) e em casos de fetos anencéfalos.
A ação ainda pedia a declaração de um estado de coisas inconstitucional pela corte, o que resultaria em um acompanhamento do tribunal no tema e definição de diretrizes. Neste ponto, o ministro não acolheu o pedido.





