O chamado blended finance —modelo de financiamento que faz uma mistura de capital público subsidiado com recursos privados de mercado— tem potencial para escalar o financiamento climático, afirma Flávio Souza, presidente do Itaú BBA.
Como bom exemplo, Souza cita o programa Eco Invest Brasil, coordenado conjuntamente pelos ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com o apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da Embaixada do Reino Unido no Brasil.
Nessa iniciativa, por meio de leilões, o ente público oferece uma parte dos recursos com taxas subsidiadas e condições mais atraentes. Vence o banco que fizer a maior contrapartida financeira, o que alavanca o valor final.
“Já tivemos dois leilões no Eco Invest. As ofertas dos bancos permitiram a alavancagem de R$ 75 bilhões. A parte subsidiada soma menos de R$ 20 bilhões. O privado entra com uma linha de mercado, a custo de mercado. O blended finance faz essa mistura. Ao final, o tomador do financiamento tem acesso a uma alternativa mais vantajosa”, explicou.
Segundo Souza, no caso de setores que já alcançaram a maturidade e oferecem retorno, como energia e saneamento, o mercado financeiro e de capitais têm participação decisiva. “Desde o marco regulatório, de 20 anos atrás, triplicamos transmissão e geração e diversificamos o mix de fontes com solar e eólica”, afirmou.
Souza conversou com a Folha em Belém, onde foi acompanhar o cronograma de discussões da Casa C.A.S.E. (Climate Action Solutions & Engagement). Essa coalizão formada por Bradesco, Itaúsa, Itaú-Unibanco, Marcopolo, Natura, Nestlé e Vale aproveita a COP30, no Pará, e reúne lideranças empresariais e especialistas do mundo inteiro para discutir como a iniciativa privada pode contribuir com o avanço da agenda climática.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
A gente ouve, em diferentes setores, que falta financiamento privado para a mudança climática. O que é preciso para a oferta aumentar?
Já existe volume relevante de financiamentos para a transição. Nossa missão, por exemplo, é destinar, ao longo dessa década, R$ 1 trilhão para o financiamento de atividades que têm impacto positivo. Nos últimos cinco anos, já foram R$ 522 bilhões —até setembro passado, para ser mais específico. É um volume importante. Mas os projetos que recebem esses recursos são viáveis do ponto de vista econômico. Oferecem retorno.
A oferta, então, depende do amadurecimento de cada segmento?
Exato. Se você perguntar se existe dinheiro suficiente para tudo, eu acho que ainda não. Os números da demanda são superlativos, e o financiamento é um desafio quando uma tecnologia ainda precisa ser desenvolvida. Se um projeto não alcançou a sustentabilidade econômica, a disponibilidade de financiamento fica mais difícil.
Tem ações que ajudam na construção de soluções. Um exemplo é a taxinomia [classificação que define o que é considerado um investimento sustentável]. A gente agora tem a definição da taxonomia para o Brasil. Ela coloca uma régua —define efetivamente o que são as atividades classificadas pelo mercado para o financiamento de impacto positivo.
A gente também precisa falar de Eco Invest [programa federal criado pelo Ministério da Fazenda que tem o objetivo de impulsionar investimentos privados em projetos sustentáveis]. O mercado está ajudando a desenvolver soluções que misturam o capital de incentivo e o capital com retorno econômico.
O sr. fala do trabalho conjunto com banco público e organismo internacional?
Exatamente. É a aplicação do conceito de blended finance e, para mim, o exemplo mais bem-sucedido e que vai crescer bastante vem do Eco Invest.
Essa iniciativa lançada recentemente pelo governo federal adota o conceito do capital catalítico —em que o investimento ocorre através de organismos multilaterais ou do próprio governo. Eles colocam um determinado volume de recursos a um custo subsidiado, e as instituições financeiras vão lá e participam de um leilão. Ou seja, para cada R$ 1 que eu tiver acesso nesse tipo de linha mais subsidiada, assumo o compromisso de alavancar x vezes —três vezes, cinco vezes, seis vezes mais.
O privado faz a contrapartida…
O privado entra com uma linha de mercado, a custo de mercado. O blended finance faz essa mistura. Ao final, o tomador do financiamento tem acesso a uma alternativa mais vantajosa..
Se o setor público investisse sozinho o mesmo recurso, o efeito seria menor. Desse jeito, a capacidade de alavancagem fica enorme. Já tivemos dois leilões no Eco Invest. As ofertas dos bancos permitiram a alavancagem de R$ 75 bilhões. A parte subsidiada soma menos de R$ 20 bilhões. Nessas duas tranches, o Itaú BBA é a instituição que tem o maior volume de recursos comprometidos para serem aplicados. Então, eu considero que a agenda está evoluindo numa boa direção.
Quais seriam os setores já maduros e quais ainda precisam se consolidar para serem atraentes ao capital privado?
O destaque é energia. Desde o marco regulatório, de 20 anos atrás, triplicamos transmissão e geração e diversificamos o mix de fontes com solar e eólica. Boa parte desses investimentos foi financiada por operações com os bancos e acesso a mercado de capitais, inclusive com debêntures incentivadas [títulos de dívida emitidos por empresas para financiar projetos de infraestrutura que oferecem ao investidor pessoa física isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos].
Neste ano, temos mais debêntures incentivadas do que debêntures condicionais [aquelas que podem ser convertidas em ações].
Agora, a gente está indo para o setor de saneamento. Com a definição do marco regulatório, é incrível o que está acontecendo. Já foram feitos 60 leilões de concessão, de privatização, etc. O setor que está investindo de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões por ano, acessando recursos, via mercado, de diversos bolsos. Há potencial também em áreas como agronegócio e mobilidade.
No nosso caso, temos uma iniciativa importante, bem bacana, voltada à recuperação, regeneração de área degradada.
Está falando da parceria com a Syngenta?
Sim. Precisavam de um parceiro financeiro e de uma linha com perfil não disponível no mercado. A questão era: como é que a gente põe esse ovo de pé, com alternativas do ponto de vista de custo e de prazo que funcionem?
A gente tem muito orgulho desse projeto por causa do impacto. O compromisso é de fazer a recuperação de 1 milhão de hectares até o final da década. Já fizemos a liberação de R$ 2 bilhões que viabilizam a recuperação de 270 mil hectares. É a implementação na veia. Dentro dessa pauta de sustentabilidade caminha muito próximo da inovação.
É replicável?
É replicável, mas não maneira automática. Estamos fazendo o financiamento dentro da cadeia da Syngenta. Para fazer com outro parceiro, preciso entender a dinâmica da cadeia dele, seja outra empresa de sementes, de defensivos ou qualquer outra, de laticínio, por exemplo. O comportamento sempre é diferente. A depender desse comportamento, o financiamento pode ser menos atrativo ou até inviável.
Mas, sim, de fato, essa experiência abre, vamos dizer, um espaço para que a gente possa aprender e, a partir disso, construir outras soluções. A gente ainda precisa de um pouco de tempo para criar uma série histórica para, então, replicar em outras cadeias.
O governo apresentou o TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), que, grosso modo, tem certa semelhança com o modelo de parceria que o sr. mencionou: reunir aportes públicos e atrair também o privado. Qual a sua avaliação para essa iniciativa?
O primeiro passo foi dado, que é buscar o compromisso público dos aportes. Como isso vai chegar à ponta e qual o impacto? Esse caminho vai ter que ser construído. Do nosso lado, o que posso dizer é que a gente certamente tem total disponibilidade e interesse para sentar à mesa e discutir como isso vai acontecer.
RAIO-X l Flávio Souza, 55
Natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, tem graduação em administração pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pós-graduação em finanças e fez vários MBAs na área. Ingressou no Itaú BBA em 2009 e foi ocupando várias posições até assumir, em 2021, a presidência da instituição. De 2015 a 2019, foi vice-presidente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Também atuou como presidente do Conselho de Administração dos bancos Itaú International (Miami) e Itaú Suisse (Zurich) de 2015 a 2018. Hoje também integra o comitê executivo do Itaú Unibanco





