“Aqui Jorge Luis Borges foi verdadeiramente feliz”, resume o pesquisador Adrian Yalj, do Centro de Estudos Borgeanos, ao falar dos quase 20 anos, de 1955 a 1973, em que o escritor argentino ocupou o cargo de diretor da Biblioteca Nacional, no prédio que abrigou a instituição, no centro de Buenos Aires.
“A felicidade não era a sua emoção preponderante, mas neste lugar ele estava rodeado por livros. Ainda que com o passar dos anos ele já não pudesse ler, por conta da cegueira, aqui ele tinha algo muito precioso: tempo para trabalhar em sua obra e pensar o quanto quisesse”, diz o pesquisador, após terminar de guiar visitantes pela escada que conduz ao escritório que foi de Borges.
Um passeio pelos pontos tradicionais do bairro de San Telmo e pelo centro da capital argentina pode, desde o fim do ano passado, ser esticado para incluir um dos locais mais importantes na trajetória de Borges. A antiga sede da instituição, que fica na rua México, 564, agora se chama Biblioteca Borges e reabriu para visitas, gratuitas, às terças e quintas-feiras com agendamento.
O local ainda carece de melhor conservação, acessibilidade e climatização. Funciona a partir do esforço de funcionários públicos integrantes do centro de estudos que leva o nome do autor, e foi um dos diversos serviços do Estado argentino que sentiu o corte de investimentos públicos no atual governo.
Ainda assim, por meio do passeio que dura cerca de 30 minutos, é possível conhecer a sala em que Borges trabalhava, ver objetos que eram usados por ele (como uma pequena estante para livros giratória, poltronas e mesas da época) e visitar o salão central da biblioteca, atualmente vazio.
Borges nasceu em 24 de agosto de 1899 em Buenos Aires. Apesar de ter se mudado para Genebra e ter passado seus últimos anos na Suíça, a capital argentina é uma parte inseparável de sua formação e de sua obra —quando não é um cenário explícito, inspira personagens, versos ou situações.
Na mesma rua México, mas do outro lado da avenida 9 de Julho, no número 1.416 funcionava a editora Inca em que Borges publicou a primeira edição do livro de ensaios “Inquisiciones”, de 1925. No local agora há uma fileira de pequenas lojas e a escola de teatro e espaço de espetáculos Caliban, que exibe peças fora do circuito tradicional da cidade (a famosa avenida Corrientes).
Desde 1992, a Biblioteca Nacional da Argentina funciona no bairro da Recoleta. Embora o autor de “O Aleph” não tenha vivido o bastante para frequentar o edifício, o local reavivou a memória afetiva dos portenhos, ao exibir uma mostra em comemoração aos 80 anos de publicação do conto na edição de nº 131 da revista “Sur”. Até 31 de maio de 2026, é possível mergulhar em “O Aleph”, por meio de livros, manuscritos, ilustrações e fotografias que remetem ao ponto luminoso onde tempo e espaço convergem.
Em uma cidade obcecada pela memória, a casa de infância do escritor, em Palermo, que ficava na rua que mais tarde seria renomeada em sua homenagem, fugiu da regra e deu lugar a uma construção sem graça, com uma loja esportiva no térreo. Mas o bairro ainda guarda pontos de encontro com seu universo literário.
Dá para visitar, por exemplo, a Biblioteca Evaristo Carriego (r. Honduras, 3.784), instalada na casa onde viveu o poeta argentino que foi inspiração de Borges e é mencionado por ele em suas “Obras Completas”.
Não muito longe dali, um lugar que cumpre parte da função de memória é a Fundação Internacional Jorge Luis Borges (r. Dr. Tomás Manuel de Anchorena, 1.660), criada por sua companheira, María Kodama. Fica ao lado da casa em que a família Borges viveu entre 1938 e 1943 e abriga objetos que pertenceram ao escritor, primeiras edições de seus livros, manuscritos e sua coleção de bengalas e objetos pessoais.
Mais ao sul da cidade, a praça Garay, em Constitución, é um dos cenários do conto “O Zahir”, um dos que compõem o livro “O Aleph”.
A partir de 1944 e por mais de 40 anos, Borges morou no sexto andar de um edifício na rua Maipú, 994, no elegante bairro de Retiro. A via que desemboca na famosa praça General San Martín ainda guarda casarões imponentes e edifícios antigos. Embora não seja aberto para visitação, o local onde Borges viveu é marcado por uma placa.
Quase ali em frente, no número 971 da mesma Maipú, a galeria del Este abrigava a livraria La Ciudad, que não funciona mais, mas era frequentada pelo escritor enquanto ele viveu no bairro. O espaço reúne antiquários e um pequeno café e é possível tirar fotos ao lado de um retrato do autor em tamanho natural. Bem perto, também é possível admirar as formas do edifício Kavanagh (r. Florida, 1.065), que inspirou um dos cenários descritos em “A Morte e a Bússola”, do livro “Ficções”.
Em seguida, 15 minutos de caminhada são suficientes para chegar à livraria Casares (r. Suipacha, 521), referência de livros antigos na cidade. Foi na Casares (que na época funcionava em outro endereço) que Borges passou sua última tarde em Buenos Aires, em um encontro com admiradores e amigos.
“Borges tem uma força e uma conexão com seus leitores, maiores que qualquer espaço físico. As pessoas continuam vindo, mesmo que apenas para tirar uma foto ou para imaginar a época em que ele frequentava as galerias da rua”, diz a vendedora Mailena Cruz, 46.





