“Eita” é um álbum em homenagem ao Nordeste, e Lenine faz questão de ressaltar isso. “Nos discos que fiz, sempre ficou evidente eles serem amplos, diversos, embora os mesmos temas estejam presentes, como questões do ambientalismo e da xenofobia. Não por acaso, o disco é uma grande homenagem ao Nordeste. O Brasil tem um débito com a região.”
A pergunta inevitável ao cantor e compositor pernambucano é saber a razão de “Eita” chegar dez anos depois de seu álbum de estúdio anterior, “Carbono. Lenine fala da pandemia (“dois anos tirados da nossa memória”) e da chegada do quinto neto, Otto, que nasceu prematuro e ficou internado, o que mobilizou toda a família. “E Otto é filho do Bruno, que também é pai do ‘Eita’, né?”, diz, referindo-se ao filho Bruno Giorgi, produtor do disco.
Ele afirma ter participado de muitos trabalhos de amigos nesse período e diz ter muito prazer ao ser convidado para parcerias. “Aí chegou o momento em que retomei o disco que tinha começado a esboçar, como sempre faço, antes da pandemia. Primeiro é um título, então a capa e o conceito imagético, e depois vou atrás das músicas. Esse foi o recomeço do álbum que agora a gente lança.”
Lenine define que lançar um álbum é quase um anacronismo. “Hoje tem uma urgência que não tinha antes. Tudo se resume a um EP ou a uma canção. Isso resume toda sua aposta no trabalho de capturar o ouvido do outro. Continuo achando que ouvir um álbum é uma coisa fundamental, necessária. Embora eu seja um fazedor de canções, um álbum para mim é um romance sonoro.”
Mas os novos tempos têm influência numa nova faceta do artista. “Também por causa dessa mudança toda, eu imaginei filmar o álbum. Fazer um filme para se ouvir, já que na minha vida toda fiz álbuns para se ver.” “Eita: O Filme” está disponível no YouTube, com muito apuro visual e sonoro, numa espécie de caleidoscópio que vai além da junção de videoclipes de todas as faixas.
O projeto apresenta uma ligação estética forte. “O protagonista do filme é o áudio do disco. A gente fez para ajudar nessa imersão, já que ninguém hoje dá mais do que 15 segundos de atenção a uma música.”
Ele retoma parcerias, como Arnaldo Antunes, Siba, Lula Queiroga e João Cavalcanti. Entre os convidados, Maria Gadú e Maria Bethânia, em faixas seguidas, formam um momento precioso na audição. Primeiro, “O Rumo do Fogo”, com Gadú, sobre o Brasil profundo, que mistura batidas eletrônicas com sons da floresta.
“O ambientalismo está sempre presente na minha música e nas questões que me comovem e que me movem. Maria Gadú é uma militante da causa dos povos originários, então a gente se encontra nesse lugar. Tem muita coisa de sons tecnológicos, sim, mas a base toda está nas maracas que foram feitas para mim e doadas porque tenho relações com várias nações indígenas.”
Em seguida, Bethânia e Lenine dividem vocais numa canção de formato simples, mas emocionante, “Foto de Família”, gravada num único take. “Eu e Bethânia no estúdio. Eu tocando para ela, ela cantando para mim. O que você ouve é exatamente como a gente fez. E precisava ser assim, se tratando de uma canção que tem muito a ver com a minha intimidade. É a foto do matriarcado lá em casa, minha mãe e meu pai ao lado de todos os netos, alguns deles presentes no projeto. Um é o produtor, Bruno, e o meu mais velho é o autor da letra de ‘Álbum de Família’, João Cavalcanti.”
“O desencadear dessas canções tem uma importância muito grande para mim. Tem uma palavra, narrativa, que eu não gosto muito porque estão usando demais, significando coisas ruins, mas a narrativa que eu crio é muito importante para mim. É o que me leva a fazer o que eu faço. Então estou sempre na busca de seduzir a pessoa nesse relevo sonoro que eu crio pelo desencadear das canções, pelo modo como eu consigo ligar todo o álbum para soar como algo único, uma suíte. É uma maneira que eu não estudei, fui descobrindo no fazer. Eu fui produzindo e acumulando experiência.”
Se o álbum confirma a força de Lenine, seu entusiasmo parece mais direcionado ao filme. “O diferente foi filmar isso. Isso foi um grande estímulo. De certa maneira, eu fiz as pazes com esse prazer. Houve um momento em que eu tinha perdido um pouco do prazer desse fazer. Agora, com o ‘Eita’, posso afirmar que eu não vivo sem isso.”




