segunda-feira, dezembro 1, 2025

Caso Master mostra força do lobby e de articulações políticas

O caso Master extrapolou os limites do sistema financeiro, provocou um rebuliço político e institucional e reacendeu o debate sobre os limites da defesa de interesses privados junto ao poder público.

A prisão cinematográfica do controlador Daniel Vorcaro e a operação da Polícia Federal (PF) — que embasou a liquidação extrajudicial da instituição pelo Banco Central (BC) — expuseram as relações pouco republicanas que o empresário cultivou nos últimos anos com figuras influentes do cenário nacional, evidenciando o uso de lobby e de articulações políticas para a expansão vertiginosa do banco.

O Master já dava sinais de práticas nebulosas muito antes da intervenção que desnudou a fraude bilionária. Desde 2022, o crescimento acelerado e atípico no volume de captação via CDBs de alto rendimento e a expansão do crédito consignado chamaram a atenção de reguladores e do próprio mercado.

A desconfiança se cristalizou no início de 2024, quando as primeiras informações internas sobre desequilíbrios contábeis se alastraram em Brasília e no mercado financeiro.

No início de 2025, a tentativa de compra do Master pelo Banco de Brasília (BRB) — inicialmente suspensa por ação do Ministério Público e, depois, definitivamente travada pelo próprio BC — reforçou a percepção de que a instituição estava sob forte risco.

O BRB é controlado pelo governo do Distrito Federal, o que evidenciou os contornos políticos que atingiriam articuladores no Congresso e figuras próximas aos governos estaduais e federal.

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Para o cientista político João Lucas Moreira Pires, o episódio afeta diretamente a confiança nas instituições. “Produz a sensação de que existe uma elite circulando entre gabinetes, ministérios, fundos públicos e órgãos reguladores com uma liberdade que não está ao alcance do cidadão comum”, diz.

Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Economia e Relações Internacionais da Faap, destaca a mentalidade por trás das manobras. “Tudo indica que, no caso do Banco Master, tudo ocorreu por conta daquilo que a gente chama no Brasil de ‘costas quentes’”, afirma.

“[Vorcaro] estava claramente confiando que o banco seria salvo de alguma forma — fosse pela venda iminente ou por algum aceno regulatório”, diz Vieira. “E é importante destacar: estamos diante de operações que envolvem bancos e órgãos públicos, ou seja, decisões que necessariamente passam pelo Estado brasileiro. Fica evidente que há conexões que precisam ser investigadas.”

Lobby de Vorcaro não tem fronteiras

A rede de influência de Vorcaro atravessa todo o espectro político — de líderes do Centrão a figuras de destaque do PT — e alcança representantes dos três Poderes, revelando a capilaridade dessas conexões e alimentando ataques e disputas narrativas por todos os lados.

Aliados do governo Lula destacam a participação de Ciro Nogueira (PP-PI), considerado o principal articulador da inclusão da “emenda Master”. A proposta elevaria de R$ 250 mil para R$ 1 milhão a cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), o que permitiria ao banco aumentar a alavancagem via emissão de CDBs com rendimentos acima dos de mercado.

Também citam Antônio Rueda, presidente do União Brasil, por ter atuado para viabilizar a compra do Master pelo BRB, enquanto Izalci Lucas (PL-DF) é apontado por ter recuado repentinamente do pedido de CPI que investigaria a instituição.

“As manobras para impedir uma CPMI, as tentativas de pressionar o Banco Central, a articulação para ampliar a cobertura do FGC mostram como o lobby, quando praticado de forma informal e sem transparência, pode produzir distorções profundas na ordem democrática”, diz Pires.

Na outra ponta, a oposição aponta os vínculos do Master com o governo do PT da Bahia, sobretudo a proximidade entre o senador Jaques Wagner e Augusto Lima — ex-sócio de Vorcaro e figura central nos contratos de empréstimo consignado no estado.

As suspeitas se concentram na estrutura dessas operações para servidores públicos baianos — concedidas ao Master/Credcesta por decretos estaduais contestados judicialmente — e em denúncias de descontos indevidos em folha, além de empréstimos não autorizados, juros abusivos e contratos firmados sem licitação.

A oposição cita ainda convênios mantidos pelo Tribunal de Justiça da Bahia, válidos até 2027, mesmo após a escalada do escândalo.

Em vídeo nas redes sociais, a ex-deputada federal Cristiane Brasil (PL) comparou a relação do Master com o PT da Bahia como um “Mensalão 2.0”. Ela afirmou que “o Augusto Lima era embaixador do PT dentro do Banco Master”, sugerindo que a articulação envolvendo consignados para servidores públicos baianos reproduzia padrões já vistos em escândalos anteriores.

Relações incluem ministros do STF

Fechando o círculo de influências, o caso ainda respinga no Supremo Tribunal Federal. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, integrou o comitê consultivo estratégico do Master. Ele foi contratado pelo banco assim que se aposentou do STF e, em seguida, deixou o cargo para assumir posição no governo.

O Master também contratou o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes — esposa do ministro Alexandre de Moraes — para representá-lo judicialmente. Embora não haja evidências de irregularidades no contrato, a repercussão foi grande porque ocorreu num momento em que o banco já enfrentava críticas pela expansão acelerada e por suas conexões com o mundo político.

Além disso, reforçou a percepção de que o Master buscava algum tipo de proteção institucional e levantou questionamentos sobre um possível conflito de interesse.

“Pode ter aí um conflito de interesse”, diz Vieira. “Aí tem que ver se há ações julgadas, enfim, fica tudo muito nebuloso. O fato me pareceu o mais, não vou dizer escandaloso, mas o mais surpreendente. Porque eu pensei: por que vão contratar a esposa de um ministro do Supremo? Tem algo que pode beirar o tráfico de influência.”

Também colocam os ministros em foco a participação em uma série de eventos e fóruns nacionais e internacionais patrocinados pelo Master. Esses encontros incluíram jantares institucionais, seminários e conferências em Nova York, Londres, Paris, Roma e no Rio de Janeiro, bancados por Vorcaro mesmo quando o nome da instituição não aparecia oficialmente na lista de patrocinadores.

Toffoli decidirá sobre processo de investigados do Master

Serão esses mesmos ministros que agora julgarão os envolvidos na operação da PF. Na noite da última sexta-feira (28), a desembargadora Solange Salgado, do TRF-1, revogou a prisão preventiva de Vorcaro e de outros quatro executivos investigados.

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A decisão — tomada após o quarto pedido de habeas corpus da defesa — ocorreu no mesmo dia em que os advogados conseguiram deslocar o caso da Justiça Federal para o STF, alegando que a investigação cita um parlamentar federal com foro privilegiado.

No sorteio, o processo principal ficou sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, apesar de Nunes Marques já ser o relator de um processo relacionado ao parlamentar mencionado nos autos.

Para o constitucionalista André Marsiglia, a manobra jurídica já era esperada. “A gente dizia que o caso Banco Master iria parar no STF”, lembrou em comentário nas redes sociais, ironizando o encaminhamento a Toffoli.

“E aí, por sorteio, caiu justamente com o ministro Dias Toffoli, aquele que acabou com a Lava Jato”, afirma. “A gente teme muito que, como aconteceu no passado, o processo do Banco Master seja simplesmente enterrado.”

Regulamentação do lobby é insuficiente

Na prática, o caso deve reacender a necessidade de regulamentação das relações do setor privado com o poder público na defesa de interesses. “[A situação do Master] se sustentou graças à existência de uma rede de proteção política que atuava justamente na zona cinzenta entre o lobby legítimo e a captura institucional”, diz Pires.

Para Vieira, o país ainda carece de mecanismos básicos de transparência e rastreabilidade das interações entre Estado e iniciativa privada. “É o que se chama accountability, uma prática que não temos no país”, afirma.

“O lobby poderia ser regulamentado de forma a garantir transparência total sobre quem deputados, senadores e ministros do Supremo recebem em seus gabinetes — e é importante enfatizar isso, porque costumamos criticar Legislativo e Executivo, mas o Judiciário, em todas as instâncias, permanece blindado desse escrutínio. Isso possibilitaria mapear melhor quem está defedendo quais interesses e em nome de quem”, defende o professor da Faap.

Hoje há pelo menos dois projetos de lei sobre o tema nas gavetas do Congresso, delimitando regras relacionadas à transparência e à prestação de contas aos pagadores de impostos. Ainda assim, os analistas concordam que a medida está longe de resolver o problema, já que boa parte da intermediação política se dá em espaços que escapam a qualquer mecanismo de fiscalização.

“Mesmo com uma lei rigorosa, os elementos centrais que tornaram possível a rede de proteção articulada em torno do Master dificilmente desapareceriam”, diz o professor da Faap.

“Quando um banco consegue recolher bilhões de fundos públicos com base em ativos fictícios e postergar sua queda por meio de articulações políticas, estamos diante não apenas de um fracasso regulatório, mas de uma forma de captura do Estado que se torna estrutural, enraizada em práticas históricas de personalismo e patrimonialismo”, acrescenta Pires.

Esse quadro, salienta Vieira, tem implicações diretas para a saúde democrática. A ideia de grupos privados tentarem moldar o Estado conforme seus interesses depende também do aperfeiçoamento dos órgãos de controle e da pressão social.

“Se a população não pressionar os políticos, não tiver noção de que são eles que nos devem, no Legislativo, Executivo ou até no Judiciário — que não é eleito, mas é pago com nosso dinheiro —, não haverá mudança”, afirma.

Para ele, o problema não é exclusividade brasileira. “Mesmo países desenvolvidos, com democracias consolidadas como os EUA, são criticados por estarem sob influência de grandes interesses, e de acordos questionáveis”, diz. “Esse é o dilema das democracias modernas. E isso é importante porque é daí que prolifera uma mentalidade ‘antissistema’, que vem crescendo no Brasil e no mundo.”

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