quinta-feira, novembro 27, 2025

cinco filmes para entender a genialidade do diretor

Incumbido de recomendar os melhores filmes do Woody Allen, que completa 90 anos no próximo dia 30 de novembro, cá estou eu com um baita problema nas mãos. É que, sejamos francos, Woody Allen não faz exatamente bem para a alma. É um grande diretor. Talvez até o melhor roteirista da história. Um ator por vezes surpreendente. Mas há algo de perturbador em sua obra: a incapacidade de alcançar a felicidade. Algo que você começa a perceber depois de algum tempo.

Ainda assim, assistir a Woody Allen é preciso. Para dar algumas boas risadas, sim, mas também para se confrontar com o que o mundo nos oferece como promessa de felicidade – e que sabemos ser falso. De um modo geral, eu diria que Woody Allen sem querer retrata os males do materialismo, do niilismo, do hedonismo e do ateísmo. Isto é, do vazio existencial e espiritual que predomina nos melhores filmes do diretor.  

E transforma isso em comédias profundamente tristes, por mais contraditório que isso soe. São comédias daquelas que nos arrancam os melhores sorrisos amarelos e constrangidos. “Quer dizer que minha ambição, minha luxúria e minhas neuroses são ridículas assim?”, você se pergunta assistindo aos filmes de Woody Allen. Sim, são. E reconhecer isso é libertador. 

Segue, pois, a lista dos melhores filmes do diretor americano, considerando somente os que estão disponíveis nas plataformas de streaming.

“A Era do Rádio” (1987)

Quando nos falta um sentido na vida, uma razão para olharmos com otimismo o futuro, o que fazemos? Recorremos ao passado. Idealizamos o passado. Em A Era do Rádio, Woody Allen domina completamente essa faceta da natureza humana: a do escapismo nostálgico. O filme conta as memórias de um menino judeu, alternando anedotas e histórias da era de ouro das transmissões radiofônicas. Para quem leu a autobiografia de Woody Allen, dá para perceber que a infância é o paraíso perdido ao qual o diretor recorre com frequência. Dos filmes aqui citados, talvez seja o mais inofensivo – no bom sentido. Destaque para a direção de arte, para a trilha sonora. Só cuidado para não ficar preso à ideia de que tudo antes era melhor. Não era. 
Onde assistir: disponível no Prime Video.

“Match Point” (2005)

Eu não gosto de Match Point. Mas vou mencioná-lo aqui porque está disponível no streaming, ao contrário de Crimes e Pecados, do qual é evidentemente uma refilmagem. Os dois filmes, aliás, se baseiam em “Crime e Castigo”, de Dostoiévski. O filme conta a história de um jogador de tênis que se envolve com duas irmãs. Mas a esta altura você já deve ter percebido que as sinopses não são o meu forte nem o que realmente importa nos filmes do Woody Allen, né? De volta a Match Point, você vai sair do filme com a sensação de que não há ordem nem justiça no mundo. De que a vida é governada por um deus maléfico e tirânico chamado Acaso. O que é evidentemente uma bobagem na qual os intelectuais do século XX foram levados a acreditar. Eis um exemplo de filme que pode fazer mal à alma – mas só daqueles que não acreditam na alma. Aos demais, Match Point pode ser visto como um testemunho da nossa pequenez e como um atestado da primazia da consciência individual sobre aquilo que se convencionou chamar de “justiça dos homens”. 
Onde assistir: disponível Prime Video.

“Hannah e Suas Irmãs” (1986)

Aqui começamos a entrar no terreno dos meus filmes preferidos, aos quais já assisti mais de 30 vezes (sem exagero). Hannah e Suas Irmãs conta a história de… Hannah e das irmãs dela, Holly e Lee. Mas também tem o ex-marido de Hannah, Mickey, e o atual marido de Hannah, Elliot. O filme não passa de uma comédia romântica para um público razoavelmente intelectualizado. Sobre isso, aliás, vale a pena prestar atenção à superintelectualização dos personagens, todos eles cultíssimos – e perdidíssimos na vida. Mickey, interpretado pelo próprio Woody Allen, é uma neurose ambulante que, depois de um diagnóstico funesto, procura pateticamente uma esperança na fé. Ou melhor, nas fés. Por fim, depois de muitas idas e vindas e mentiras e traições e medos e tentativas e paranoias, tudo se ajeita. No final, o que prevalece é a vida, o que não deixa de ser surpreendente, em se tratando de um filme de Woody Allen.  
Onde assistir: disponível no Prime Video.

“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977)

Vish. Agora o papo ficou sério. Para escrever este texto, revi Annie Hall, que no Brasil recebeu o título tosco de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Meu veredito: é um filmaço. O roteiro é perfeito e Dianne Keaton (que Deus a tenha!) é maravilhosa. Mas que filme triste! Annie Hall conta a história do relacionamento entre Alvy Singer e a personagem-título, cujo nome, aliás, é um trocadilho com “anyhow”, que significa “de qualquer jeito” ou “seja como for”. E aqui já vemos, mais uma vez, a adoração de Woody Allen pelo acaso. Mas eu dizia que o filme é triste e é, porque glamouriza tudo aquilo que faz do homem contemporâneo um ser desesperado, perdido e arruinado. Em Annie Hall não há espaço para o sacrifício. O outro é mero acessório. Logo, não há espaço para o amor. Tudo se resume à busca pela autogratificação instantânea. É uma obra-prima, sem dúvida. Tem momentos antológicos, como o da lagosta – talvez a única cena genuinamente humana do filme. Mas é triste demais. Só não é mais triste do que o próximo filme que recomendarei aqui. 
Onde assistir: disponível no Prime Video e para locação no YouTube Filmes, Google Play e Apple TV.

“Manhattan” (1979)

Manhattan é maravilhoso do começo ao fim. Sério. Não há um só segundo desperdiçado no filme. Cada frame poderia muito bem ser emoldurado. Sério. Esteticamente, é até difícil expressar meu encantamento com o filme. E a história não fica atrás, não. Trata-se de um intrincado polígono amoroso que envolve Isaac, Mary, Tracy, Yale e mais alguns personagens que estou esquecendo. Com o passar do tempo, Manhattan passou a ser visto como um exemplo de filme politicamente incorreto. Tudo por causa do relacionamento entre Isaac (Woody Allen), de 42 anos, e Tracy (Mariel Hemingway), de 17. Bobagem. No filme, o relacionamento entre a menina rica de uma família progressista e o escritor em crise de meia-idade é natural. Lembre-se de que estamos falando de Manhattan, Nova York. No mais, essa diferença de idade tem um propósito na história: ressaltar o contraste entre o otimismo inocente da juventude e o pessimismo cínico, insuportavelmente cínico, de quem já passou algumas décadas a mais buscando a felicidade. Ou melhor, a ideia mundana de felicidade. Aqui estão presentes todos os elementos que fazem de Woody Allen um gênio perigoso, daqueles que a gente tem que apreciar com moderação e muito discernimento, para não se iludir com a ideia de que sucesso, prestígio, cultura, fama ou sei lá o quê nos tornam necessariamente felizes. Já disse que é um filme triste, mas que arranca boas risadas? Pois é um filme triste, mas que arranca boas risadas. E o diálogo final, ah, o diálogo final é poesia em forma de semissorrisos e de um olhar resignado que me fascina desde que assisti ao filme pela primeira vez, há longos 30 anos. 
Onde assistir: disponível no Prime Video e para locação na Apple TV.

VEJA TAMBÉM:

  • “Harry e Sally – Feitos um para o Outro”: a comédia romântica que não envelhece
  • Onde está Woody Allen? Cineasta fica fora de lista com melhores filmes do século

Autor Original

Destaques da Semana

Temas

Artigos Relacionados

Categorias mais Procuradas

spot_imgspot_img