Dois projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados podem por fim à cobrança de 20% de Imposto de Importação sobre compras internacionais de até US$ 50 – a “taxa das blusinhas”.
Os PLs 3368/2025, de Ricardo Ayres (Republicanos-TO), e 3261/2025, de Kim Kataguiri (Podemos-SP), partem do princípio de que a medida encarece produtos para o consumidor final sem gerar benefícios proporcionais à indústria nacional. Os dois estão tramitando conjuntamente na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE), o primeiro apensado ao segundo, sob relatoria de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).
A taxa foi instituída em agosto de 2024 pelo governo federal como resposta à pressão do setor têxtil brasileiro, que via nas compras diretas de plataformas de e-commerce — especialmente as asiáticas, como Shein e AliExpress — uma concorrência desleal.
Desde então, o tema divide opiniões entre quem defende a proteção à indústria local e quem argumenta pela liberdade de escolha do consumidor. O setor têxtil nacional e os sites que vendem importados travam uma guerra de versões, em que diferentes pesquisas mostram efeitos opostos da tributação.
Os defensores da cobrança alegam que a taxa não iguala, mas melhora as condições concorrenciais com a produção e o varejo nacional. Por outro lado, plataformas e associações de consumo alegam que o consumidor de baixa renda é quem mais saiu perdendo com a taxação.
Gabriel Santana Vieira, advogado tributarista, entende que a taxação é uma medida estratégica crucial para a soberania econômica do Brasil. “Ao corrigir a distorção concorrencial e reestabelecer a isonomia tributária, ela protege ativamente a indústria nacional, que gera empregos formais e investimentos”, disse.
Segundo Vieira, a alíquota sinaliza apoio ao capital brasileiro, fortalece a cadeia produtiva e garante que os produtos vendidos no país sigam os padrões regulatórios locais, o que beneficia o consumo e a economia como um todo.
Aleksandra Sliwowska Bartsch Cabrita, professora de Economia da Uninter, afirma que a lógica era simples: se os produtos importados ficassem mais caros, os consumidores migrariam para o varejo nacional, aumentando as vendas internas e, consequentemente, gerando empregos e tributos.
No entanto, a professora defende que essa narrativa ignorou fatores estruturais cruciais — problemas do varejo brasileiro, como a alta tributação, a burocracia e os custos. Como resultado, produtos importados seguiram competitivos, a expectativa de criação de empregos não se concretizou. Em vez de migrar para produtos nacionais, parte da população simplesmente desistiu de comprar.
“O consumidor não migrou, desistiu. Em vez de comprar produtos nacionais, muitos consumidores simplesmente pararam de comprar. Para quem tem renda limitada, pagar mais caro não é opção. Resultado: queda no consumo e impacto negativo na economia”, afirma. Além disso, a elevação nos tributos teria contribuído como incentivo à informalidade, ao contrabando e ao descaminho.
Imposto afetou população de baixa renda
Na justificativa do PL 3368/2025, o deputado Ricardo Ayres afirma que, segundo estudos do IBGE, 72% dos consumidores que se beneficiavam da isenção do Imposto de Importação em compras até US$ 50 pertencem às classes C, D e E.
“São famílias que dependiam do acesso a produtos importados mais baratos para atender necessidades básicas. O aumento médio de 60% nos preços desses itens representa um grave retrocesso social, atingindo justamente os segmentos mais vulneráveis da população”, traz a proposta. Ayres ainda afirma que, segundo o Ministério da Fazenda, somente 12% dos itens que são alvos da taxação têm equivalentes nacionais diretos.
Em linha com os argumentos do deputado, levantamento realizado pela consultoria Plano CDE identificou que 14 milhões de pessoas das faixas C, D e E deixaram de importar produtos on-line entre agosto de 2024 e abril de 2025; a queda foi de 35%. Nas classes A e B, a redução foi menor, de 11%.
Pesquisa da CNI indica aumento na busca por produtos nacionais
Por outro lado, pesquisa realizada pela Nexus a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) demonstra que houve aumento na busca por similares brasileiros. Segundo o levantamento, aumentou o percentual de consumidores que buscaram um produto nacional similar, de 22% para 32%. A procura em outros sites internacionais subiu de 6% para 11%.
Ao mesmo tempo, segundo o levantamento, aumentou de 13% para 38% a parcela de consumidores que desistiram de comprar em sites estrangeiros por causa do Imposto de Importação.
O superintendente de Economia da CNI, Marcio Guerra, afirmou que a taxa das blusinhas traz mais justiça e competitividade para a indústria nacional, mas que é apenas o início do processo. “Ainda assim, o imposto está em um patamar muito aquém do necessário para equilibrar as condições de concorrência com outros países”, diz.
Também em defesa da aplicação da taxa das blusinhas, Edmundo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), afirma que, segundo dados do Caged, nos 12 meses posteriores à implantação do imposto houve aumento de mais de 1 milhão de postos de trabalho nos setor.
Segundo a Associação, nos 11 meses após a implementação do imposto, as vendas no setor cresceram 5,47%, em contraste com a queda de 0,6% registrada nos 11 meses anteriores.
Há divergências entre levantamentos sobre impacto da taxa das blusinhas
Um levantamento da LCA Consultoria Econômica, feito a pedido da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec, que representa algumas das principais empresas do varejo on-line), diverge dos resultados apresentados pela CNI e pela Abvtex. De acordo com a pesquisa, entre agosto de 2024 e abril de 2025, a parcela das pessoas que desistiram da compra on-line após verificarem o preço final — com o imposto — teria subido de 35% para 45%.
O levantamento ainda aponta que o crescimento no número de empregos nos setores do varejo e da indústria nacionais beneficiados se manteve no mesmo patamar que nos 12 meses anteriores à implementação da taxa das blusinhas. Além disso, nos 12 meses posteriores à entrada em vigor da tarifa, o crescimento do emprego nos mesmos setores beneficiados, de 0,97% segundo a LCA, ficou bem abaixo dos 3,04% da média nacional no período.
A consultoria é taxativa ao dizer que a tributação não surtiu o efeito esperado. “A taxa não teve impacto mensurável na geração de empregos e acabou penalizando principalmente os consumidores de baixa renda, que passaram a pagar mais caro pelos produtos e a consumir menos”, conclui o levantamento.
Além dos resultados aquém dos esperados, a taxa ainda respingou em outra frente: nos lucros dos Correios. Com a queda no número de importações, a taxa das blusinhas foi responsável por derrubar a receita da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em R$ 1 bilhão em 2024, segundo a estatal. No acumulado até outubro deste ano, as perdas são estimadas em R$ 2,2 bilhões.
Taxa das blusinhas coloca Brasil fora do padrão internacional
Aleksandra Cabrita, da Uninter, também defende que, ao implementar a taxa das blusinhas, o Brasil optou por se posicionar fora do padrão internacional.
“Enquanto mais de 90 países mantêm isenção para pequenas remessas, o Brasil foi na contramão, criando uma das maiores cargas tributárias sobre importações de baixo valor na América Latina, prejudicando sua integração ao comércio digital global”, disse.
O país cobra 20% de imposto de importação e até 20% de ICMS, ao passo que Argentina e Chile isentam totalmente o imposto de importação de pequenas remessas, mantendo somente o imposto de consumo. Na Colômbia e no Peru, há isenção de ambos os tributos.
O diretor da LCA Consultores, Eric Brasil, entende que o modelo de tributação mais eficiente seria o adotado por países desenvolvidos e de renda média. Nesses casos, pequenas remessas ficam isentas do imposto de importação, enquanto o imposto de consumo é cobrado de forma isonômica em relação à produção nacional.
Conforme reportado pela Gazeta do Povo, em agosto deste ano, os Estados Unidos adotaram a cobrança de alíquota similar à taxa das blusinhas. Já a União Europeia decidiu antecipar a cobrança do tributo para o primeiro semestre de 2026.
Indústria nacional alega condições desiguais e pressiona por mais impostos para importações
Outro argumento utilizado pelo setor têxtil nacional para justificar a taxa das blusinhas é o de que a competição com as plataformas internacionais não se dá em condições equânimes. Empresas asiáticas se beneficiariam de subsídios governamentais, mão de obra mais barata e, em alguns casos, condições de trabalho questionáveis do ponto de vista trabalhista e ambiental.
Assim, para a indústria nacional, permitir a entrada facilitada desses produtos significa premiar quem não cumpre os mesmos padrões regulatórios exigidos dos fabricantes brasileiros.
Paralelamente ao debate sobre o imposto de importação, o setor têxtil ainda tem pressionado governos estaduais pelo aumento da alíquota de ICMS sobre produtos importados. No ano passado, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) aprovou a elevação do ICMS sobre remessas internacionais de 17% para 20%. A decisão de implementar ou não o aumento, no entanto, depende exclusivamente de cada estado.
Arrecadação da Receita cresceu 17%
Dados da Receita Federal indicam que a arrecadação com a taxa entre agosto e dezembro de 2024 chegou a R$ 670 milhões. De acordo com a CNI, o governo teria tido uma alta na arrecadação de cerca de 17% nos últimos 12 meses. “Isso permite que o governo tenha maior ritmo de investimento em políticas sociais e políticas públicas”, afirmou Marcio Lima, da CNI.
De acordo com o Ministério da Fazenda, a taxa das blusinhas resulta da decisão unânime dos governos estaduais no âmbito do Confaz, além do apoio de todos os partidos que votaram pelo imposto no Congresso. À época da implementação, a pasta argumentou que o tributo seria uma forma de aumentar a arrecadação e diminuir o rombo das contas públicas.





