quarta-feira, dezembro 3, 2025

Crescimento do risco fiscal e financeiro no mundo preocupa – 02/12/2025 – Martin Wolf

Antes da crise financeira de 2007 a 2009, o BIS (Banco de Compensações Internacionais) se tornou impopular entre autoridades monetárias ao redor do mundo ao alertar para os riscos criados por políticas monetárias acomodatícias, excesso de alavancagem, preços elevados de ativos e falta de transparência.

Esses alertas foram ignorados. O resultado foi uma crise financeira devastadora, que não apenas provocou uma grande recessão, mas também deixou como legado uma dívida pública elevada e uma política cada vez mais populista.

Mais uma vez, o BIS está soando o alarme. A instituição já vinha manifestando preocupação com riscos fiscais e financeiros há algum tempo. Mas, na semana passada, seu diretor-geral, Pablo Hernández de Cos, ex-presidente do Banco da Espanha, apresentou um alerta contundente sobre as “ameaças fiscais em um sistema financeiro global em transformação”.

Ele parte do fato de que as razões entre dívida soberana e PIB em muitas economias avançadas estão nos níveis mais altos desde a Segunda Guerra Mundial. Na ausência de uma aceleração do crescimento econômico impulsionada por IA (inteligência artificial), há motivos para acreditar que esses níveis continuarão subindo.

Entre os fatores estão a possibilidade de novos choques econômicos (incluindo outra crise financeira), juros mais altos sobre títulos públicos, envelhecimento populacional, hostilidade à imigração, a relutância evidente em aceitar o custo político de reduzir déficits fiscais e outras pressões significativas, como aumento dos gastos com defesa.

O aumento da dívida pública é uma preocupação. Outra é a forma como ela está sendo financiada. Isso faz parte de uma mudança mais ampla: o declínio relativo dos bancos e a ascensão de intermediários financeiros não bancários (os NBFIs) na detenção global de ativos financeiros. Entre 2008 e 2023, a razão entre ativos financeiros detidos pelos NBFIs e o PIB global cresceu 74 pontos percentuais, enquanto a dos bancos subiu apenas 17 pontos.

Hernández de Cos alerta que a combinação entre maior emissão de títulos públicos e o recuo dos bancos após a crise financeira criou uma lacuna crescente entre a oferta desses títulos e os balanços dos dealers bancários necessários para sustentar a capacidade de intermediação desses mercados cruciais.

Os NBFIs são um grupo heterogêneo. Uma distinção essencial é entre investidores de “dinheiro real”, como fundos de pensão e seguradoras, e especuladores alavancados, como hedge funds. O primeiro grupo aumentou fortemente seus investimentos em títulos públicos: de 82% do PIB global em 2008 para 135% em 2023.

Enquanto isso, fundos do mercado monetário e hedge funds elevaram suas posições de 13% para 18% do PIB global no período. Muitos desses intermediários também precisam proteger sua exposição cambial, dado o aumento das posições transfronteiriças. Isso levou a um salto enorme na dependência de swaps cambiais.

O que essas mudanças significam para a estabilidade dos mercados de títulos soberanos, que funcionam como referência para o sistema financeiro? Há um benefício óbvio: como planejado, os bancos estão menos expostos. Em teoria, títulos públicos ainda deveriam ser os ativos financeiros mais seguros. Mas, conforme as montanhas de dívida crescem, sua segurança diminui. Mudanças na percepção de risco tendem a ser descontínuas: complacência num dia, pânico no seguinte.

Além disso, há preocupação com a capacidade de absorção de risco —e as restrições de balanço— dos NBFIs. O ajuste de duration por fundos de pensão e seguradoras provocou efeitos de retroalimentação desestabilizadores no choque do mercado de gilts (um tipo de título público emitido pelo governo britânico para financiar sua dívida) no Reino Unido em 2022.

Outro risco é a possibilidade de vendas forçadas de títulos públicos por fundos do mercado monetário e outros intermediários em caso de resgates em massa, já que esses papéis são os ativos mais líquidos. Por fim, perdas cambiais podem provocar fuga de capitais e queda acentuada nos preços dos títulos.

Esses riscos já são conhecidos. Mas o discurso destacou outros, mais novos. Um deles diz respeito às estratégias de negociação alavancadas dos hedge funds. Esses fundos têm conseguido tomar empréstimos equivalentes ou até superiores ao valor de mercado de seus colaterais. Cerca de 70% dos repos bilaterais tomados por hedge funds em dólares, por exemplo, são oferecidos sem haircut (diminuição do valor da dívida).

Isso pode agravar choques de mercado quando o financiamento desaparece. Investidores menos alavancados, como fundos de pensão, também estão expostos, segundo Hernández de Cos, a “riscos de renovação de financiamento em dólar vinculados ao uso de derivativos cambiais”. Na prática, “ao usarem swaps cambiais, eles estão transformando risco cambial em risco de maturidade”.

A questão é que a instabilidade causada por alavancagem e descasamentos de prazo não desapareceu só porque os bancos são menos importantes do que eram. Uma solução é o que Hernández de Cos chama de “regulação congruente”: quando as vulnerabilidades são semelhantes, a regulação também deveria ser.

Mas a heterogeneidade dos agentes torna isso muito difícil. Mais concretamente, ele defende ampliar o uso de câmaras de compensação e impor haircuts mínimos. Os haircuts zero permitem que certos participantes do mercado “operem com toda a alavancagem que quiserem”, alerta. Isso não pode acabar bem. Outras duas lições emergem: quanto maior a fragilidade dos NBFIs, maior deve ser o controle sobre a estabilidade dos bancos que os financiam; e é necessária mais transparência.

Outra rodada de crises financeiras seria um pesadelo. Mas seria ainda pior se os Estados deixassem de ser considerados bons pagadores e suas moedas perdessem credibilidade. Alguns sugerem, de forma equivocada, que a solução seria permitir que os bancos substituíssem novamente os NBFIs. Uma solução muito melhor é tornar as finanças públicas mais seguras.


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