Em julho de 2024 fui à minha primeira consulta com uma nutricionista. O objetivo era bolar um plano de alimentação individualizada com alto aporte calórico, mas baixo em gordura. A meta era, dali a três meses, correr uma maratona (prova de corrida de 42 quilômetros).
Minha intenção era comer melhor para preparar meu corpo, mas não estava focando a perda de peso. Esse seria um efeito colateral desejável caso conseguisse manter um equilíbrio entre o ganho de massa muscular (com treinos de 40 a 50 km por semana) e alimentação saudável.
Dois meses depois, o meu peso era o mesmo. A nutricionista até notou um aumento de massa na região abdominal. Eu descobri que estava grávida da minha filha quando me preparava para correr uma maratona.
Até aí, foi tudo uma felicidade, e logo marquei consulta com a médica obstetra. Feitos os exames de ultrassom, conversei com ela que parar de treinar não era uma opção, e que talvez a maratona pudesse ficar para depois, mas gostaria de continuar correndo —meus 10, 15 km— até quando conseguisse suportar o peso da barriga e fosse seguro. Ela concordou.
Sempre fui ativa e cuidei do meu corpo como posso. Tenho um baixo risco para doenças cardíacas, tenho o colesterol HDL alto (o “bom”) e o colesterol LDL (o “ruim”) baixo. Não havia nada no meu histórico que indicasse uma possível doença crônica no meu futuro.
Até que veio o resultado do exame de sangue do primeiro trimestre. Minha médica me ligou em seguida: “Ana, está tudo bem com seus exames, mas você está com glicemia elevada e isso já indica diagnóstico de diabetes gestacional”. Eu estava com nove para dez semanas.
Diabetes? Como é possível? Indaguei a médica. Eu quase não como doce, e corro três vezes na semana. Nunca tive glicemia elevada na vida. O que estava acontecendo?
Ela me explicou que, durante a gestação, o nosso corpo produz vários hormônios que levam à resistência à insulina, e que o aumento da taxa de açúcar no sangue é uma consequência normal desses hormônios. A definição de diabetes gestacional, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é nível glicêmico acima de 92 miligramas por decilitro.
Segundo a médica Cristina Figueiredo Façanha, da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), nosso corpo é adaptado, na gestação, a garantir a nutrição adequada ao bebê. Para isso, o carboidrato ingerido pela mãe passa mais tempo em circulação, e a placenta consegue “pegar” esse açúcar para o feto. Caso, durante essa fase, a mulher não consiga controlar a quantidade de glicose no sangue produzindo mais insulina, esse açúcar extra é passado ao bebê.
Normalmente, após o parto e a expulsão da placenta, essa resistência à insulina desaparece, mas até 50% das mulheres com diabetes gestacional podem desenvolver diabetes após a gravidez. No Brasil, segundo dados compilados pela SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), estima-se que de 16% a 18% dos nascidos vivos são gerados por mulheres que tiveram alguma forma de hiperglicemia durante a gravidez.
As entidades médicas dizem que todas as mulheres na gravidez devem fazer pelo menos um exame de glicemia na gestação. Caso ela esteja normal, as gestantes devem fazer um exame para diabetes gestacional no segundo trimestre, entre 20 e 24 semanas, conhecido como teste de tolerância à glicose. No meu caso, como o diagnóstico veio logo no primeiro trimestre, eu não cheguei a fazer o teste de tolerância.
Confesso que foi difícil de aceitar no início. Eu não imaginava que, corredora, fazendo exercício cinco vezes por semana, com peso adequado para minha altura e sem condição prévia, eu teria um diagnóstico de diabetes.
Por volta da 18ª semana, a minha médica, vendo que eu não estava ainda muito convencida, me encaminhou para uma endocrinologista. Na consulta, uma semana antes das minhas férias —em que eu e meu marido íamos para Paris para, essencialmente, comer— ela foi taxativa: se eu não controlasse a alimentação agora, a minha filha correria um risco grave. “Doença pulmonar, excesso de peso ao nascer e até risco de desenvolver diabetes e obesidade na vida adulta”, foi o prognóstico.
Existem diversos estudos associando diabetes gestacional a problemas de neurodesenvolvimento fetal, prematuridade, cardiopatias e macrossomia (bebês que nascem com mais de 4 kg). “O bebê se defende do excesso de açúcar produzindo insulina a mais, para metabolizar esse açúcar em excesso. Como a insulina tem um efeito anabolizante, ele acaba crescendo muito, mas com os órgãos ainda imaturos”, diz Façanha.
O que fazer então? Como nunca havia convivido com alguém com diabetes controlada na vida —meu marido tem, mas faz uso de medicamentos e não faz medição de glicemia—, passei a me picar quatro vezes ao dia, ao acordar e após cada refeição. Coisas que eu amava, como manga, água de coco, suco de laranja, passaram a ser terminantemente proibidas.
Aos poucos, fui lendo e aprendendo sobre a condição. Descobri o que são picos glicêmicos e como evitá-los. Entendi que a alimentação controlada não é privação, e que até é possível comer uma porção de batata frita, contanto que ela seja consumida em conjunto com uma proteína e fibras alimentares. O consumo de frutas e outros alimentos ricos em fibras ajudam a metabolizar o açúcar em excesso.
Também aprendi que fazer uma caminhada de dez minutos após as refeições ajuda muito a baixar a glicose, e que não é recomendado ficar mais de 3 horas sem comer, porque o corpo gasta todo o açúcar e, depois, quando for se alimentar de novo, qualquer alimento vai causar um novo pico.
O diabetes gestacional não é brincadeira. Ele é uma condição multifatorial que pode se agravar se não for acompanhada por profissionais de saúde qualificados que vão saber dar à paciente as orientações adequadas. Mas também não é um bicho de sete cabeças.
Ao final, com todos os controles que fiz, consegui manter o ganho de peso saudável na gestação (cerca de 9,6 kg), e não tive nenhuma intercorrência. Após o parto da minha filha, meus exames já indicavam a glicemia em jejum normalizada. Meus desejos, na sala de maternidade, aos amigos e familiares que vieram me visitar: um litro de água de coco, por favor!





