terça-feira, dezembro 2, 2025

Empresas aceleram distribuição de dividendos antes de tributação

A sanção da Lei 15.270/2025, que retoma após três décadas a tributação sobre dividendos no Brasil, deflagrou um movimento de antecipação nas empresas brasileiras. Com a previsão de alíquota de 10% sobre lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil mensais por beneficiário a partir de janeiro de 2026 e de tributação semelhante para sua remessa ao exterior, companhias correm para aprovar e distribuir valores ainda em 2025 e evitar a nova cobrança.

Isso ocorre porque, de acordo com a nova lei, para seguirem isentas dos 10% de IR ou sobre remessas ao exterior, as empresas precisam calcular e aprovar a distribuição de juros e dividendos até 31 de dezembro deste ano – a distribuição em si pode ser feita até 2028.

A nova tributação visa compensar as perdas na arrecadação geradas pela ampliação da faixa de trabalhadores isentos de IR.

Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, afirma que a nova regra cria um incentivo artificial e emergencial para que empresas antecipem suas assembleias e aprovem a distribuição de dividendos de 2025 antes que o ano acabe, exclusivamente para escapar da alíquota de 10%.

Eduardo Natal, conselheiro da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat), afirma que a intenção da lei foi evitar um contencioso inevitável sobre a retroatividade tributária, caso lucros deste ano viessem a ser tributados somente quando distribuídos entre 2026 e 2028.

Natal explica que há outro ponto crítico: a Lei das Sociedades Anônimas exige que os dividendos deliberados sejam pagos em até 60 dias. Mas a Lei 15.270/2025 permite o pagamento entre 2026 e 2028. “É uma contradição normativa que cria dúvida prática para companhias abertas e fechadas, e que certamente será discutida em instâncias administrativas e judiciais”, disse.

Segundo levantamento da Associação das Companhias Abertas, Abrasca, as empresas brasileiras de capital aberto têm US$ 45 bilhões em lucros acumulados que ainda não foram repassados aos sócios. Cerca de 60% desses recursos seriam destinados a investidores estrangeiros, o equivalente a US$ 27 bilhões.

Adiantamento de dividendos pode trazer riscos para empresas

Mesmo com o objetivo de aliviar a tributação sobre os acionistas, as estratégias de antecipação de lucros e dividendos podem se mostrar problemáticas. Luís Garcia explica que há riscos que precisam ser observados na hora da tomada de decisões:

  • a antecipação das decisões societárias faz com que as empresas projetem resultados futuros com considerável grau de incerteza;
  • a aprovação de dividendos acima do lucro real futuro pode gerar endividamento, descapitalização ou necessidade posterior de ajuste contábil;
  • comprometimento do fluxo de caixa: retirar capital antes da hora reduz a capacidade de investimento e de financiamento interno;
  • violação da própria lógica de neutralidade tributária: o Fisco cria uma corrida contra o tempo, distorcendo a vida societária.

“Esse é o tipo de política fiscal improvisada que gera corrida artificial por decisões urgentes, em vez de incentivar planejamento estruturado, competitivo e voltado ao investimento produtivo”, afirma Garcia.

Empresas apostam em estratégias diversificadas para antecipar dividendos

As estratégia de antecipação dos dividendos adotadas pelas empresas pode variar. Júlio Ortiz, CEO e cofundador da CX3 Investimentos, explica que é importante saber sobre as políticas de distribuição. “Empresas que demandam muito capital geralmente distribuem pouco dividendo, e devem ser pouco impactadas. Outras que distribuem muito devem repensar com mais cuidado. O impacto é maior para o acionista do que para a empresa”, disse.

Algumas companhias de maior porte, por exemplo, estão recorrendo ao mercado de capitais, com emissões primárias de ações para financiar os pagamentos extraordinários. A ideia é aproveitar a alta recente dos preços na bolsa para levantar recursos equivalentes às reservas de lucros e distribuí-los aos acionistas.

Alguns bancos já estão oferecendo linhas de financiamento para companhias maiores garantirem o pagamento antecipado ainda este ano. Outra alternativa avaliada é o pagamento de dividendos na forma de bonificações de ações, permitindo distribuir o lucro ainda em 2025 sem necessidade de recursos extras. A opção tem atraído companhias que não dispõem de caixa suficiente para quitar imediatamente as reservas acumuladas.

Nova regra influencia decisões de investimento

Mesmo com todas as estratégias das empresas para salvaguardar os dividendos deste ano, o aumento na tributação também traz consequências na tomada de decisão de acionistas e investidores. Eduardo Natal avalia que a incidência da nova alíquota afeta as decisões de alocação e que, no médio e longo prazo, a medida tem o potencial de reduzir o investimento privado, especialmente em setores intensivos em capital.

Ele explica que o investidor pessoa física é o que mais sofre. “A comparação se torna evidente: arriscar capital produtivo e ter dividendos tributados em até 10% ou simplesmente manter recursos em renda fixa, cuja remuneração é de aproximadamente 15% ao ano”, argumenta. A assimetria pode reduzir o apetite por investimento produtivo e ampliar a preferência por aplicações financeiras de baixo risco.

Já em relação aos dividendos enviados para o exterior, Luís Garcia comenta que a tendência é de que não retornem ao Brasil rapidamente. Ele explica que o investidor internacional age racionalmente — ele busca jurisdições com estabilidade, não com “arrecadacionismo compulsivo”.

Remessas ao exterior podem saltar de US$ 15 bilhões para US$ 35 bilhões

Estimativas do Itaú BBA indicam que a antecipação de dividendos para evitar a tributação pode gerar a saída de algo entre US$ 25 bilhões e US$ 35 bilhões do Brasil no último trimestre de 2025. O valor corresponde de 3% a 4% do patrimônio de estrangeiros em ações negociadas na B3 e supera com folga a média histórica anual de US$ 15 bilhões.

O cálculo foi baseado na saída de capital registrada em 2021, quando se estimava que o Congresso pudesse aprovar a tributação de dividendos em 15%.

Ao Valor, Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, afirmou que esta dinâmica pode levar a alguma reação do Banco Central caso o movimento se intensifique ou gere volatilidade excessiva no mercado. Há também expectativas de pressão cambial: o banco projeta dólar a R$ 5,35 no fim de 2025 e R$ 5,50 em 2026.

Luís Garcia ainda explica que, diante do ambiente tributário incerto e da maior incidência tributária sobre os acionistas e investidores, as empresas podem chegar a retirar recursos do país. Dentre as estratégias adotadas, estão:

  • reinvestir os recursos em subsidiárias fora do Brasil;
  • apostar na transferência patrimonial internacional via holdings;
  • fazer remessa ao exterior para sócios estrangeiros; e
  • mudar o centro de decisões para jurisdições mais estáveis.

O tributarista defende que, do ponto de vista econômico, perde-se muito mais do que se arrecada. “A instabilidade fiscal gera efeito cascata negativo que ultrapassa, e muito, o ganho de curto prazo do governo”, disse.

Senado debate proposta que pode estender prazo para apuração de dividendos

Mesmo com a sanção da Lei 15.270/2025, há ainda uma possível extensão do prazo para esse fechamento, que abrandaria o corre-corre nas empresas.

Na última terça-feira (25), o relator do PL 5.473/2025, senador Eduardo Braga (MDB-AM), alterou o relatório final da proposta e acatou uma emenda que estende o prazo para a aprovação da distribuição de dividendos referentes a lucros de 2025 até 30 de abril de 2026.

Na justificativa, Braga argumenta que a previsão da lei atual acarreta uma impossibilidade material e jurídica para a maioria dos contribuintes, uma vez que o encerramento contábil do exercício de 2025 e a consequente deliberação sobre a destinação do lucro líquido somente ocorrem no exercício subsequente.

Inicialmente, o projeto de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi apresentado para tratar da tributação de bets e fintechs. Diante das alterações propostas por Braga, a data de votação da proposta foi adiada para o dia 2 de dezembro. O desfecho da discussão no Senado será determinante para empresas que ainda avaliam suas estratégias de distribuição de dividendos.

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