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EUA: Afrouxamento de regras bancárias pode se espalhar – 28/11/2025 – Mercado

Uma fotografia do Farmers & Drovers Bank ocupa um lugar de destaque na estante ao lado da mesa de Michelle Bowman no Fed (Federal Reserve) —um lembrete proeminente de seus laços familiares com um dos credores mais antigos do Kansas.

O tataravô de Bowman foi o primeiro presidente da instituição fundada há 143 anos e ainda controlada pela família. Antes de entrar no Fed, ela própria foi vice-presidente do banco durante sete anos.

Esse histórico familiar fez dela uma escolha natural para Donald Trump, que a nomeou vice-presidente de supervisão do Fed, em junho, e também a tornou uma figura cotada para suceder Jerome Powell. Também ajuda a explicar o entusiasmo com o qual ela vem conduzindo uma das maiores reversões da regulamentação financeira dos Estados Unidos em décadas.

O movimento, acompanhado de uma redução de 30% no quadro de funcionários da área de supervisão do Fed, segue a agenda do governo Trump de encolher o Estado e afrouxar regras.

Pesquisadores estimam que a reforma liderada por Bowman pode liberar quase US$ 2,6 trilhões em capacidade de crédito e elevar a rentabilidade dos bancos americanos ao reduzir a exigência de capital.

Wall Street e apoiadores de Trump aplaudem Miki, como é conhecida, por remover o que consideram amarras excessivas que teriam restringido empréstimos, inibido a inovação financeira e limitado o crescimento econômico desde a crise de 2008. Para eles, as regras rígidas empurraram grandes partes de empréstimos e negociações para mercados de crédito privado e fundos de hedge menos supervisionados.

“Os olhos do mundo estão voltados para os EUA”, diz Tim Adams, chefe do Instituto de Finanças Internacionais. “Depois de 15 anos acrescentando capital e liquidez, é hora de repensar.”

Rivais estrangeiros dos grandes bancos de Wall Street temem que um relaxamento das regras dos EUA dê aos credores do país uma vantagem poderosa, permitindo que eles estendam sua posição já dominante em muitas partes dos mercados internacionais de capitais.

Os críticos de Bowman alertam que afrouxar regras pouco mais de dois anos após o colapso de bancos médios estimulará riscos excessivos, aumentará prejuízos a clientes e pode preparar o terreno para uma nova crise financeira. Há quem preveja uma “corrida para baixo”, com banqueiros em todo o mundo pressionando seus próprios reguladores para afrouxar restrições.

Robert Mazzuoli, da agência Fitch Ratings, diz que a mudança para uma regulamentação mais frouxa “provavelmente reduzirá a resiliência do setor bancário a choques sistêmicos de mercado”.

Michael Barr, vice-presidente de supervisão do Fed antes de Bowman, disse em um discurso este mês que “períodos de relativa calma financeira” repetidamente levaram a esforços para enfraquecer a regulamentação e supervisão, o que frequentemente termina mal, como na crise de 2008.

As reformas iniciais de Bowman visam liberar capacidade de empréstimo nos bancos dos EUA, afrouxando muitas das restrições que determinam quanto capital eles precisam alocar para esses empréstimos e outros ativos.

Uma das principais lições da crise de 2008 foi que bancos altamente endividados não tinham capital próprio suficiente para absorver grandes perdas, deixando os reguladores com uma escolha desagradável entre permitir que os bancos falissem ou resgatá-los para proteger os depositantes.

Nos anos seguintes, os credores foram forçados a aumentar drasticamente seus níveis de capital. O montante de capital próprio de nível 1 —o principal indicador de capital bancário— nos principais bancos dos EUA mais que dobrou desde 2011, chegando a mais de US$ 1,1 trilhão, segundo o JPMorgan Chase.

O Fed já aprovou algumas das reformas planejadas, como um afrouxamento do chamado índice de alavancagem suplementar aprimorado, que estabelece quanto capital não ajustado ao risco os maiores bancos dos EUA precisam em proporção aos seus ativos totais.

O plano reduzirá o índice de pelo menos 5% para entre 3,5% e 4,25%. Autoridades estimam que isso liberará US$ 13 bilhões em capital no nível da holding das oito maiores instituições de crédito dos EUA, e US$ 210 bilhões em suas subsidiárias captadoras de depósitos.

Bowman disse que isso eliminará uma barreira que impede os bancos de serem mais ativos no mercado de títulos do Tesouro dos EUA. Autoridades também destacam que isso apenas alinha as regras dos EUA às normas internacionais, removendo proteções adicionais —o chamado “gold-plating”— adotadas anteriormente por Washington.

Barr, que ainda é membro do conselho do Fed, votou contra, alegando que a mudança aumenta o risco de falência de um banco grande.

O banco central também apresentou planos para uma grande reformulação de anual de teste de estresse, que avalia a resiliência do setor, após uma contestação judicial sem precedentes no ano passado, que argumentou que os testes eram ilegais porque careciam de transparência.

O Fed estima que a mudança reduzirá os requisitos de capital das maiores instituições em apenas 0,25 ponto percentual, mas Barr alertou que isso enfraquece a credibilidade dos testes e abre espaço para manipulação.

Outras reformas ainda não foram apresentadas em detalhes pelo Fed, como a redução do buffer de capital adicional que exige dos maiores bancos dos EUA. Espera-se que os EUA reduzam isso para alinhá-lo ao padrão global mais baixo imposto a outros bancos considerados sistemicamente importantes.

Uma das partes mais aguardadas da agenda de Bowman é a implementação das chamadas regras de Basileia III, os padrões de capital acordados por um comitê de reguladores globais sediado na cidade suíça. Esperadas para o início do próximo ano, essas mudanças implementarão reformas nos requisitos de capital bancário pela primeira vez desde a crise de 2008.

Uma versão mais rigorosa das regras foi proposta há alguns anos por Barr, mas após intenso lobby do setor, essa versão foi abandonada.

Bowman espera apresentar sua versão mais flexível das regras de Basileia III, que provavelmente será mais aceitável para Wall Street, no início de 2026. Observadores esperam que estas sejam amplamente neutras em termos de capital para a maioria dos credores dos EUA.

“Todos os bancos nos EUA, particularmente os grandes bancos, querem implementar Basileia III”, disse Daniel Pinto, vice-presidente do JPMorgan. A proposta revisada dos EUA deve manter o capital bancário “mais ou menos estável ao que era”, disse Pinto em um evento em Frankfurt este mês.

Ele acrescentou que isso “cria uma situação em que temos US$ 50 bilhões a US$ 60 bilhões de capital excedente porque estávamos preparados para o pior cenário da interpretação de Michael Barr”.

Os 13 principais bancos dos EUA já têm cerca de US$ 200 bilhões de capital excedente acima de seus mínimos regulatórios, de acordo com Rebecca Boeve, especialista em investimentos do JPMorgan. “A desregulamentação deve permitir que os bancos aloquem esse capital excedente para crescimento de empréstimos, recompra de ações e dividendos, e fusões e aquisições”, diz ela.

Reguladores europeus temem que os EUA não cumpram integralmente o pacto de Basileia, embora Bowman tenha assegurado que o país o fará. Reino Unido e União Europeia adiaram sua própria implementação à espera do modelo americano.

O Fed também anunciou que vai suavizar o sistema de classificação de grandes instituições financeiras, reduzindo restrições operacionais impostas a bancos considerados mal administrados. Bowman diz que os supervisores focaram demais em “marcar indicadores”, deixando de lado riscos realmente capazes de levar um banco ao colapso.

Consultorias como Alvarez & Marsal estimam que a desregulamentação poderá liberar quase US$ 140 bilhões em capital e elevar o retorno sobre o patrimônio dos bancos americanos em até 6%. Bancos britânicos também se beneficiariam, com queda prevista de 8% nos requisitos de capital. Já bancos europeus devem ser prejudicados: o mesmo estudo prevê aumento de 1% nas exigências.

No Reino Unido, o Banco da Inglaterra deve apresentar em breve uma revisão das exigências de capital, e autoridades já sinalizam flexibilizações. A pressão também cresce na Europa, onde bancos temem perder ainda mais espaço para rivais americanos.

Michelle Bowman, enquanto redesenha o cenário regulatório dos EUA em favor dos bancos, acende o alerta entre reguladores de que outros países poderão se sentir obrigados a acompanhar o movimento —arriscando enfraquecer proteções criadas para evitar outra crise.

Ashley Alder, chefe da Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido, resumiu o risco: ciclos de aperto regulatório após crises tendem a ser seguidos por períodos de afrouxamento, “até a próxima crise”.

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