Pelo menos 204 funcionários públicos federais foram demitidos por desídia desde 2017, uma penalidade prevista no estatuto do servidor e aplicada quando o profissional age com negligência e desinteresse em relação ao trabalho.
O número representa apenas 5% do total de demissões ocorridas nesse período. Ao todo, menos de 0,01% dos servidores públicos foram dispensados por essa razão.
O máximo de desligamentos por desídia em um único ano foi em 2022, quando houve 41 demissões. Desde então, menos de 20 servidores foram dispensados por ano devido a desinteresse no trabalho.
Os dados são do cadastro de expulsões da administração federal, da CGU (Controladoria-Geral da União).
Procurado, o Ministério da Gestão não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.
Pelo estatuto, o servidor pode ser dispensado por razões que também incluem abandono de cargo, improbidade administrativa e uso da função em benefício próprio.
Na prática, a desídia é um comportamento mais difícil de ser identificado pelo gestor, uma vez que pode exigir uma avaliação de desempenho do funcionário, algo incipiente na gestão pública.
Segundo Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), essa conduta é identificada como mau comportamento, e não insuficiência na performance. Na prática, significa ter ações irresponsáveis com frequência, como atrasos e não cumprimento de comandos hierárquicos.
“No caso de desempenho, é necessário haver referências de metas a serem atingidas, com indicadores e entregas bem definidas a serem acompanhados.”
Em 2020, a primeira seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que o servidor só poderia ser dispensado por desídia se o comportamento fosse constante, após julgar o caso de um funcionário demitido do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
O servidor atuava em um programa de controle de custos em obras rodoviárias, em convênio com o Exército. Segundo a acusação, ele não teria tomado atitude após receber informações sobre composições de custos que apresentavam problemas, o que demonstraria desídia.
Além disso, o servidor saberia que o órgão de transportes dispunha de R$ 400 mil para realizar parcerias com órgãos públicos, que, no entanto, não foram concretizadas. Apesar disso, ele não teria alertado o Dnit sobre a necessidade de o dinheiro ser devolvido.
Para o STJ, a punição para uma primeira ocorrência deveria ser mais branda e só a persistência dessa conduta seria passível de demissão. A corte decidiu pela reintegração do servidor ao Dnit.
Segundo Renata Vilhena, professora da FDC (Fundação Dom Cabral) e presidente do conselho do Instituto República.org, a demissão por desídia está prevista porque a administração pública exige mecanismos para lidar com situações extremas, quando o servidor mantém o comportamento inadequado, mesmo após alertas e repreensões.
Ela também defende que a penalidade extrema seja aplicada apenas em casos de má conduta reiterada. Além disso, a demissão por desídia só ocorre quando há provas concretas de que o servidor demonstrou desinteresse no trabalho.
Para Renata, a falta de uma avaliação de desempenho estruturada prejudica um diagnóstico mais preciso que ajude a identificar esse comportamento no servidor. O cenário também gera risco de decisões subjetivas e pouco transparentes, além de insegurança jurídica.
“Atrasos reiterados e injustificados, não cumprimento de prazos essenciais das atividades e volume de retrabalho provocado por negligência podem ser indicadores de desídia. Mas a ausência de uma avaliação de desempenho estruturada torna o processo mais inseguro.”
Para além dos casos de desídia, as demissões no serviço público são, no geral, raras, se comparadas ao setor privado. Profissionais no Executivo federal, por exemplo, só podem ser destituídos de seus cargos após conclusão de um processo administrativo disciplinar, com direito à ampla defesa, ou depois de uma decisão judicial externa ao órgão público.
Essas dispensas ocorrem sobretudo em casos extremos, como abandono de cargo ou corrupção. Ao todo, 4.152 pessoas foram demitidas no serviço público federal desde 2017, segundo dados da CGU.
Hoje, o método mais próximo que existe para monitorar a performance do servidor é o PGD (Programa de Gestão e Desempenho), baseado em metas e entregas. O programa é adotado por apenas um terço da força de trabalho do Executivo federal.
Para Cibele Franzese, a reforma administrativa, protocolada na Câmara no início do outubro, poderia ter sido mais enfática ao lidar com a demissão de servidor público por desempenho aquém do esperado.
“A Constituição prevê a possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho e sua posterior regulamentação por lei. Mas essa regulamentação não está proposta nos instrumentos legais apresentados pela reforma administrativa.”





