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HIV: Casais em que só um tem o vírus vivem sem transmissão – 01/12/2025 – Equilíbrio

“Quando eu recebi o diagnóstico, minha mãe disse: ‘Está tudo bem, mas você nunca pode falar para ninguém, porque isso vai te fechar muitas portas’”, conta o produtor Victor Bebiano, 28. Em 2015, ele recebeu o resultado positivo para o HIV. “Foi desesperador.”

Dez anos depois, Victor fala abertamente sobre a vida com o HIV em suas redes sociais, inclusive em um curta que dirigiu. “Muito pelo contrário. Milhares de portas se abriram na minha vida, eu conheci pessoas, viajei, realizei coisas que eu nunca imaginei”, reflete.

Desde 2023, ele namora o bailarino Larry Anjos, 28. O relacionamento deles é sorodiferente, ou seja, apenas Victor vive com o vírus. Seguindo o tratamento, ele não transmite mais o HIV.

Isso ocorre porque o uso diário da medicação disponibilizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) reduz a carga viral até que ela não seja mais detectada em um exame de sangue e nem possa ser transmitida, mesmo em relações sexuais ou outras situações de risco. Esse desenvolvimento ficou conhecido pela sigla i = i, isto é, indetectável é igual a intransmissível.

Victor passou quatro anos sem saber desse conceito, o que o fez achar que poderia transmitir o vírus para sempre e só poderia se relacionar com outra pessoa com HIV ou com o uso de preservativo. Com o conhecimento, mudou a forma de encarar a vida.

Antes de Larry, teve outros relacionamentos sorodiferentes. No primeiro, sentiu receio em contar de cara que vivia com o HIV, então levou o ex-namorado a um serviço de saúde para acompanhar uma consulta. Ao final, a reação temida se mostrou positiva, e ele não teve mais medo de falar sobre a sorologia com futuros parceiros.

“Hoje, se uma pessoa me rejeitasse ou tivesse algum preconceito, eu teria consciência de que o problema não está em mim, e sim nessa pessoa e na falta de informação que faz com que ela me julgue dessa forma”, diz.

A influenciadora Jéssica Mattar, 34, também pensa assim. Ela recebeu o diagnóstico em 2022 e em todos os relacionamentos que teve desde então, não hesitou em contar sobre a condição antes mesmo de dar o primeiro beijo.

“Sempre preferi levar um fora do que dar uma deixa para preconceituosos me cobrarem de algo que eles não entendem”, afirma.

Casada com o encarregado Tiago Luís, 22 —que não vive com o vírus—, desde 2023, ela diz que a demora no diagnóstico a levou a ficar internada e precisar de transfusão de plaquetas.

Conforme os médicos descartavam possibilidades, Jéssica pesquisou na internet, viu que poderia ser uma infecção pelo HIV e quis fazer o teste.

“Antes de pedir o teste, falei para a médica que estava com medo. Ela me respondeu: ‘Você tem medo de morrer ou de viver?’”, conta.

Com o resultado positivo, ela iniciou o tratamento e, desde então, não teve mais intercorrências do tipo.

Muito distante do coquetel de remédios da década de 1990, o tratamento antirretroviral (TARV) de hoje consiste em apenas um ou dois comprimidos diários, a depender do caso e da disponibilidade da unidade de saúde —700 mil pessoas tomam os remédios no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.

A estratégia tem aceitação alta e poucos pacientes relatam efeitos colaterais. Tomando diariamente as medicações, demora, em geral, até seis meses até que o vírus fique indetectável e o paciente não o transmita mais.

Na outra ponta dos relacionamentos, Larry e Tiago não tiveram problemas em entender seus parceiros.

“Para mim não impactou”, diz Larry. “Acho que até por conta de eu ser uma pessoa trans, eu tive que explicar muita coisa para os outros. Eles também me colocam nesse lugar distante da bolha deles.”

Ele diz que em relacionamentos, sempre gostou que a outra pessoa quisesse saber mais sobre a transsexualidade, e, por isso, foi fácil ter a mesma postura de se interessar e pesquisar sobre o assunto com um parceiro com HIV.

Tiago também não se assustou quando Jéssica contou sobre o diagnóstico, ainda no primeiro encontro. Ele tem um tio que vive com HIV e que teve sequelas devido à Aids, por isso já tinha conhecimento e viu a situação com normalidade.

Jéssica e Tiago têm dois filhos, de 1 e 2 anos.Ela já tinha duas filhas de um relacionamento anterior (e antes do HIV), de 13 e 16 anos. Jéssica relata que as gestações após o diagnóstico não tiveram diferenças em relação às outras, pois já estava indetectável e fazia acompanhamento médico regular.

A primeira gestação após o HIV veio quase exatamente um ano após o diagnóstico, lembra. “Pensei: ‘Ano passado recebi um positivo que não queria, nesse ano foi um positivo para a vida’.”

Como é feito o diagnóstico do HIV?

xistem autotestes vendidos em farmácias que se parecem com um medidor de glicemia para diabéticos, com uma picada de agulha no dedo, mas, em geral, deve-se buscar o serviço de saúde do município e realizar o exame de sangue.

Se o primeiro resultado vier positivo, é feito um exame confirmatório e, então, dado o diagnóstico e iniciado o tratamento.

Nos serviços de saúde, é possível testar e tratar também outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a sífilis e as hepatites.

Como funciona o tratamento?

O SUS disponibiliza um tratamento em terapias de um ou dois comprimidos que devem ser tomados diariamente. Os remédios não são vendidos em farmácias comuns e só podem ser acessados pelo serviço de saúde pública.

“É uma terapia muito eficaz, com baixíssimos efeitos colaterais. E, uma vez diagnosticado o HIV, em média em até 6 meses, o paciente se torna negativo se usar o antirretroviral”, diz David Lewi, infectologista do Einstein Hospital Israelita.

“Isso faz com que não se transmita mais o vírus em outros relacionamentos, e, ao mesmo tempo, com que o sistema imune seja preservado. É muito importante”, completa.

Além dos comprimidos, é importante que se mantenha uma rotina de exames e consultas médicas (no geral a cada seis meses) para garantir que o vírus está indetectável e o paciente, saudável.

Me interessei por uma pessoa que faz tratamento contra o HIV, ela pode me transmitir o vírus?

Se a pessoa estiver seguindo o tratamento corretamente e já estiver indetectável, não.

“A pessoa indetectável é aquela vivendo com o vírus do HIV que segue o tratamento adequado, o que mantém a quantidade de cópias do vírus no sangue muito baixa. Quando esse estado é observado por mais de seis meses, o risco de transmissão por via sexual é igual a zero”, diz Carla Kobayashi, médica infectologista do hospital Sírio-Libanês.

“O parceiro negativo não precisa ter nenhuma rotina diferente no dia-a-dia com o parceiro positivo. Na realidade, hoje, um casal sorodiferente não tem uma vida sexual muito diferente de casais de mesma sorologia”, afirma Lewi.

As recomendações são as mesmas para pessoas com ou sem o vírus. Uso de camisinha, equipamentos de proteção, no caso de enfermeiros e tatuadores, por exemplo, e testagem regular para quem tem a vida sexual ativa.

Caso o parceiro sem HIV deseje, é possível usar a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), uma terapia com comprimidos que evitam que o vírus se instale caso haja algum contato.

Se houver exposição ao vírus, ou uma suspeita, é possível tomar a PEP (Profilaxia Pós-Exposição), um tratamento com comprimidos por 28 dias que deve ser buscado nos serviços de saúde em até 72 h após o episódio de exposição.

Vou precisar tomar a Prep sempre? E camisinha?

A escolha pelo método de prevenção deve ser discutida entre o casal e o médico de confiança, considerando aspectos como o modelo de relacionamento (aberto ou fechado) e os hábitos de cada um.

“Vai depender de vários fatores. Pode haver recomendação da PrEP principalmente se esse parceiro que vive com o vírus do HIV ainda não for indetectável”, ressalta Kobayashi.

“Existe um conceito de que de três meses a seis meses após uma carga viral negativa, com a continuação do tratamento, esses casais poderiam não usar preservativos durante a relação sexual sem risco de contaminação para o parceiro negativo”, diz Lewi.

Kobayashi afirma que o parceiro sem HIV pode ajudar apoiando o outro, acompanhando nas consultas, lembrando da medicação e incentivando na continuidade do tratamento.

E se quisermos ter filhos?

“O principal cuidado é manter o tratamento. Quando se mantém o tratamento adequado, conseguimos seguir com indicação do aleitamento, até discutir a via de parto, que não precisa ser cesárea em todos os casos. O principal cuidado da gestante é fazer o acompanhamento adequado”, explica Kobayashi.

Ela adiciona que hoje em dia, com os cuidados de pré-natal sendo seguidos, o risco de transmissão vertical do HIV da mãe para o filho no momento do parto é de menos de 2%.

Quando a pessoa que tem o HIV não é quem vai gestar, os cuidado são mais fáceis, segundo a infectologista.

“Vamos sempre buscar que esse parceiro tenha carga viral indetectável para falar sobre a melhor forma de concepção para esse casal, que pode ser o não uso do preservativo, o que é possível com os exames negativos”, acrescenta

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