A indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para o STF (Supremo Tribunal Federal) pode representar um desafio ao plano de autocontenção e afastamento de embates políticos encampado pelo presidente da corte, Edson Fachin.
A escolha do AGU contrariou os anseios do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e de uma ala do tribunal, que preferiam o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Desde que o petista tomou a decisão, a politização em torno do tema só escalou.
O Senado aprovou, na sequência, um projeto de custo bilionário que regulamenta a aposentadoria especial de agentes comunitários de saúde, e Alcolumbre marcou a sabatina do candidato para 10 de dezembro, com prazo curto para Messias reduzir resistências.
Especialistas ponderam que parte do tensionamento político se deve mais ao equilíbrio de forças entre os Poderes do que às nomeações para o tribunal e que a escolha de Messias não é, necessariamente, incompatível com a diminuição da temperatura política.
Por outro lado, dizem que Messias pode seguir na direção contrária caso aprovado, com histórico que sinaliza disposição em participar da política de forma mais proeminente e um conforto com a atuação do Judiciário em políticas públicas.
Quando assumiu a presidência do Supremo, em setembro, Fachin apresentou um discurso favorável à busca por limites, racionalidade e foco nas atribuições próprias do Judiciário. “Ao direito o que é do direito. À política o que é da política”, afirmou o ministro.
“Nossa credibilidade é diretamente proporcional à capacidade de, por meio do processo e da atuação proba e imparcial, dar respostas jurídicas, técnicas e adequadas à realidade”, disse. “A prestação jurisdicional não é espetáculo. Exige contenção.”
Para Luiz Fernando Esteves, professor de direito constitucional do Insper, há indícios de que a relação com a política pode ser mais tensionada com Messias no STF. O maior exemplo pode ser a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.
Trata-se de um órgão da AGU criado em 2023 para atuar em demandas de resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas. A oposição disse ver nele uma tentativa de censura e o apelidou de Ministério da Verdade, em referência ao livro “1984”, obra de George Orwell.
“A criação dessa procuradoria foi uma sinalização de que a AGU queria participar de forma mais proeminente da política. Podemos esperar comportamentos parecidos de Messias quando este estiver no cargo de ministro, se for confirmado”, diz Esteves.
A confirmação depende de aprovação no Senado. O candidato passa por uma sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que vota um parecer. Com o aval no colegiado, o nome é votado no plenário, onde deve ser aprovado por ao menos 41 dos 81 senadores.
Messias fez carreira em Brasília. Em 2016, quando era subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, ficou conhecido como “Bessias” após o então juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) divulgar uma conversa entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
O diálogo, episódio de uma escuta telefônica da Operação Lava Jato, foi entendido à época pelo ministro do STF Gilmar Mendes como indício de que a nomeação tinha como objetivo principal obstruir as investigações e evitar uma possível prisão de Lula.
No áudio, a fala de Dilma dá a entender que ela o chama de “Bessias”.
Thiago Filippo, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Direito e Ciências Sociais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que a politização do Supremo está mais vinculada à dinâmica entre os Poderes que à indicação de ministros.
Além disso, diz que a hipótese de identificação de ministro com a figura que o indicou foi “completamente destruída” pela literatura. “Quem está esperando uma lealdade absoluta de Jorge Messias às pautas do PT e do Lula está com uma expectativa muito ingênua.”
“A entrada de mais um ministro que vem com bastante carga de proximidade com a política evidentemente é desafiadora para esse plano [de Fachin de reduzir a temperatura política], mas ela não é incompatível”, diz Álvaro Palma Jorge, professor da FGV Direito Rio.
Para ele, não há necessariamente uma relação entre o fato de o ministro ter sido indicado pelo presidente após ocupar cargo no Executivo federal e a propensão de ser mais ou menos contido em suas manifestações, nos embates com outros Poderes.
Palma Jorge pondera, em referência ao trabalho na AGU: “É difícil tirar conclusões inabaláveis a partir desse conjunto, porque um advogado age como advogado. Advogado representa uma parte, um argumento. É natural defender determinados interesses”.
O professor afirma, porém, que a produção acadêmica do advogado-geral da União pode dar algumas pistas. Messias é autor de tese de doutorado intitulada “O Centro de Governo e a AGU: Estratégias de Desenvolvimento do Brasil na Sociedade de Risco Global”.
Nela, defende o papel do Judiciário para a implementação da agenda de governo. “Gostando-se ou não da judicialização e do ativismo judicial, sabemos que são parte da institucionalidade brasileira pós-1988”, escreveu o chefe da AGU no trabalho.
De acordo com Palma Jorge, ele demonstra conforto com a participação da Justiça na instituição de políticas públicas, tema que costuma gerar atritos, em especial com o Legislativo, e algo já criticado por ministros do Supremo.





