Entidades e associações do mercado de energia reagiram com cautela ao resultado final do texto da reforma do setor elétrico, após vetos feitos pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, no exercício da Presidência da República. Para elas, trechos mantidos ainda podem criar problemas para esse mercado no futuro.
Os vetos em MP aprovada pelo Congresso foram publicados no Diário Oficial da União desta terça-feira (25) e barraram trechos como os que tratavam do cálculo de royalties do petróleo e da compensação aos produtores pelas perdas com cortes na produção de energia.
A Abrace, entidade que representa empresas que são grandes consumidoras de energia, era uma das críticas da emenda que previa o repasse do ressarcimento a usinas eólicas e solares prejudicadas pelo “curtailment” (termo em inglês para corte de geração de energia) para a tarifa de energia. O trecho foi um dos retirados pelo governo —segundo a associação, a regra poderia ter impacto de R$ 7 bilhões na conta de luz.
O grupo comemorou a confirmação desse e de outros vetos, afirmando em nota que eles “representam preocupação com custo da energia e podem sinalizar início de ciclo de melhorias para o setor”. A entidade avalia que o texto ainda traz “um conjunto de problemas que vai exigir novas intervenções sobre o setor, mas carrega avanços importantes que precisam ser reconhecidos”.
Os problemas citados pela Abrace incluem a prorrogação do uso de usinas a carvão até 2040 e o trecho do texto que determina a compra compulsória de energia de determinadas fontes, como carvão, biomassa e pequenas usinas hidrelétricas.
Os mesmos dispositivos foram alvos de crítica de outras duas entidades. O movimento União pela Energia, que reúne 70 associações e federações da indústria, e a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) reconheceram a relevância dos vetos, mas destacaram que os trechos mantidos preocupam.
“A indústria não concorda com reservas de mercado e direcionamentos para fontes específicas. Contratações obrigatórias e sinais econômicos equivocados levam a ineficiências e perpetuam atrasos, justamente em um país com tamanho potencial energético como o Brasil”, disse o União em nota sobre as contratações compulsórias.
A Fiemg, por sua vez, afirmou que o resultado traz avanços, mas criticou a prorrogação do uso de usinas a carvão, afirmando que o trecho “representa um custo superior a R$ 1 bilhão por ano até 2040 e configura um retrocesso ambiental relevante”.
Houve repercussão negativa no setor de energias renováveis. A Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) criticou a retirada do artigo que tratava da compensação às usinas solares e eólicas.
Para a entidade, a medida “representa grave risco aos projetos existentes e pode levar à perda de credibilidade, fuga de capital, fechamento de empresas, perda de empregos e retrocesso na transição energética”. A associação diz que o veto viola regras vigentes quando as usinas foram contratadas, projetadas e construídas, o que “eleva a percepção de insegurança jurídica e instabilidade regulatória” no Brasil.
Veja a lista com os principais vetos do governo:
- Curtailment: Foi rejeitada regra de compensação pelas perdas com cortes de energia. No entanto, o veto manteve a garantia de que as empresas produtoras serão pagas se tiverem que cortar a produção por problemas técnicos na rede.
- Leilão de baterias: Foi vetada a regra que forçava apenas quem produz energia a pagar pelos grandes sistemas de armazenamento.
- Regras de concorrência: Foi retirado o trecho que tornava obrigatório que os processos de concorrência do setor elétrico seguissem estritamente as diretrizes do planejamento do setor.
- Divisão de Prejuízo: O governo rejeitou um mecanismo que forçaria os produtores de energia a dividir entre si parte dos custos de quando há cortes de energia. O tema foi adiado para ser discutido depois, incluindo as regras de micro e minigeração distribuída.
- Taxas para o comércio de energia: Foi barrada a obrigação das empresas que comercializam energia (mas não a produzem) de pagar por pesquisa e eficiência energética.
- Micro e minigeração distribuída: Foi vetada a inclusão de novos custos da micro e minigeração distribuída (estimados em R$ 5 bilhões) na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
- Leilões isolados: Veto mantém que a realização de leilões para locais que não estão conectados à rede principal de energia seja definida pelo planejamento do setor. Também evitou uma regra específica que atribuía responsabilidade à distribuidora do Amazonas.
- Migração de grandes geradoras: Veto impede que usinas de energia que já operam no mercado livre migrem para o sistema de geração distribuída (onde as regras são diferentes).
- Punição para servidores: Foi vetada a regra que tornaria a omissão ou a falta de contratação de serviços essenciais de energia um ato de improbidade administrativa para o servidor público.
- Custo da TV na conta de luz: Foi rejeitada a regra que permitiria a utilização de recursos do programa Luz para Todos para equipamentos de recepção de sinal de televisão aberta (“banda Ku”).
- Linha de Transmissão RO-AM: Foi retirada a obrigação de licitar de forma imediata o sistema de transmissão que ligaria Porto Velho (RO) a Manaus (AM). O veto mantém que o planejamento do setor defina as melhores alternativas para essa ligação.
- Leilões anuais: Foi vetada a regra que obrigava a realização de leilões de potência para garantir energia extra todos os anos. Agora, o governo decide quando fazer esses leilões.
- Preço do petróleo: Foi vetada uma regra que revisava o preço de referência do barril de petróleo usado no cálculo dos royalties. O governo justificou o veto afirmando que a redefinição da base de cálculo geraria “insegurança jurídica e risco de judicialização, bem como comprometeria investimentos de longo prazo em curso no setor de óleo e gás”.





