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Não sabia que algo grave existia, diz paciente com ELA – 03/11/2025 – Equilíbrio e Saúde

A empreendedora Priscila Narvaes, 41, vivia uma rotina tranquila quando entrou em luto profundo ao descobrir que tinha tipo raro de ELA (esclerose lateral amiotrófica). Mas logo reagiu ao saber por seus médicos da existência de uma medicação que controla o avanço da doença.

Em depoimento à Folha, Priscila contou como sua vida mudou a partir do diagnóstico e sobre sua decisão de recorrer à Justiça contra o seu plano de saúde para receber o medicamento. O Tofersen ainda não tem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas já foi liberado pela FDA (agência de medicamentos dos Estados Unidos) e pela EMA (agência europeia de medicamentos).

Foram 16 meses de espera pelo medicamento e, nesse período, ela perdeu a mobilidade das pernas e do braço esquerdo, além de ter dificuldade de respirar e de falar. Ela ainda enfrentou a separação de um casamento de 14 anos.

Era início de 2023 e decidi intensificar os treinos na academia. Estava num momento bom da minha vida profissional, iniciando o trabalho como empreendedora, e pessoal, casada havia 14 anos e com minhas duas filhas.

Com o passar das semanas, percebi uma diferença na minha panturrilha esquerda: estava mais fina do que a direita. Depois, não conseguia mais segurar o chinelo no pé nem fazer os exercícios com a perna esquerda.

Achei que fosse algo bobo, mas ainda assim fui ao ortopedista, que pediu uma eletroneuromiografia. Na hora do exame, percebi na cara do médico que algo estava ruim. Também fiz uma ressonância e os resultados não estavam tão bons. Mas não sabia que algo tão grave existia.

No retorno, o ortopedista explicou que era algum problema neurológico. Fiquei muito ansiosa e comecei a pesquisar até entender que realmente era grave, mas ainda estava em negação. Fui ao neurologista que pediu um outro exame, um scanner de corpo inteiro, que confirmou que minha perna esquerda já estava em desnervação —perda ou interrupção do suprimento nervoso de um órgão ou tecido.

Em maio, tive a primeira indicação de que poderia ter algo da família da ELA, e meu mundo caiu. Num primeiro momento, achei que pudesse ser apenas uma atrofia muscular progressiva dos membros inferiores.





Eu ainda falava normalmente [em junho de 2024], mas o movimento do meu lado esquerdo já estava comprometido. Estava morrendo um pouco a cada dia

Ao mesmo tempo em que entrei num luto profundo, reagi. Em junho, já estava no consultório de um dos melhores neurologistas de São Paulo. Ainda tinha um sopro de esperança de que pudesse ser outra doença que imitava os sintomas da ELA. Fiz dezenas de exames, incluindo o que analisou o líquor [fluido que protege o cérebro e a medula], que confirmou uma alteração, algo que indicava uma doença autoimune. Até fiz um tratamento para essa possível doença, mas não funcionou.

O diagnóstico oficial veio em outubro de 2023: Doença do Neurônio Motor. Apenas de janeiro de 2024, através de um painel genético que descobri que tinha ELA com a mutação no genética SOD1 (superóxido dismutase 1), sendo eu a primeira pessoa da família em quem os sintomas se manifestaram. Cerca de 20% dos casos de ELA são de origem genética. Sendo que essa mutação do gene SOD1 representa apenas 10%. Ou seja, é muito raro. E, no meu caso, foi uma loteria ao contrário, porque é a única mutação para a qual existe medicação, o Tofersen.

Em junho de 2024, entrei na Justiça em São José dos Campos (SP), onde morava, para que meu plano de saúde pagasse cerca de R$ 1,4 milhão por um ano de tratamento com o Tofersen. Nessa mesma época eu pedi a separação. Eu me sentia abandonada dentro do casamento.

Nessa época, ainda falava normalmente, mas o movimento do meu lado esquerdo já estava comprometido. Estava morrendo um pouco a cada dia. A Justiça negou o meu pedido em novembro de 2024, e meus advogados recorreram ao Tribunal de Justiça, que em abril deste ano atendeu ao meu pedido. E só tomei a primeira dose da medicação, na medula, em outubro deste ano.

Foi um alívio, mas a decisão poderia ter vindo antes. Há dois anos eu não tinha nada. Quando entrei na Justiça eu era uma e, agora, já está mais difícil. Hoje minha capacidade respiratória é limitada e me alimento por via oral e por sonda gástrica. Não tenho movimento nas minhas pernas nem no meu braço esquerdo. Também não tenho força no tronco. O meu ambiente é completamente adaptado.

Já separada do meu marido, no início deste ano, decidi me mudar com minhas filhas para Piracicaba, no interior de São Paulo, onde mora a família da minha mãe. Moro em uma casa térrea, com banheiro acessível. Minha cama é hospitalar, e uso 15 horas por dia um BiPAP, aparelho de ventilação mecânica que me ajuda a respirar. Durante a semana, tenho uma cuidadora que fica comigo das 8h às 16h. No restante do dia e aos fins de semana, são os meus pais, Renato e Elaine, que me ajudam.

O meu tratamento inclui fisioterapia respiratória diária e motora três vezes por semana, além de psicoterapia uma vez por semana. Além do Tofersen, tomo alguns medicamentos de uso contínuo

Tenho ciência do meu privilégio e do quanto sou abençoada com minha rede de apoio. Continuo sendo mãe da Manuela, 10, e da Letícia, 8. Tenho esperança de ver minhas filhas crescerem e espero viver muito ainda.

Gostaria que essa medicação fosse aprovada pela Anvisa e distribuída pelo SUS (Sistema Único de Saúde) logo nos primeiros sintomas para que ninguém passe o que eu passo.

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