quinta-feira, novembro 27, 2025

Nova regra de segurança abre embate no setor de mineração – 08/11/2025 – Mercado

Uma nova regra de segurança de barragens imposta pela ANM (Agência Nacional de Mineração) desde o mês passado abriu uma crise entre o órgão de fiscalização e as grandes mineradoras do país, que acusam a agência de adotar medidas que podem travar boa parte do setor e levar à demissão de até 350 mil pessoas.

O alerta foi feito à ANM pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que representa boa parte das mineradoras do país. Em documento ao qual a Folha teve acesso, a instituição diz que a nova exigência seria tecnicamente inviável e juridicamente ilegal.

Em 15 de outubro, a ANM aprovou uma resolução que proíbe a presença de trabalhadores de mineradoras em áreas localizadas abaixo de barragens de mineração, sejam estas usadas para lavra, beneficiamento ou depósito de materiais.

A mudança tornou mais severa uma regra de 2022, que permitia a presença de trabalhadores nestes espaços, desde que fossem adotadas medidas rigorosas de segurança pelas empresas. Agora, fica vedada a presença humana nessas áreas conhecidas como “zona de autossalvamento”, termo usado para se referir a locais que podem ser atingidos rapidamente, em caso de rompimento.

A alteração foi justificada pela ANM a partir do entendimento apresentado pela Procuradoria Federal Especializada da agência, que interpretou a legislação de segurança de barragens de forma mais restritiva.

No desastre de Brumadinho (MG), ocorrido em 25 de janeiro de 2019, quando a mina do Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu, 272 pessoas morreram, sendo a maioria funcionários da Vale, segundo o governo de Minas Gerais. Cerca de 200 trabalhadores estavam em local abaixo da barragem de rejeito onde a lama chegou em menos de um minuto e destruiu o que encontrou pela frente.

O Ibram alega que a mudança feita pela ANM não teria sido apresentada em análises e consultas públicas realizadas sobre o assunto. “A alteração normativa representa, ainda, uma violação ao direito/dever do minerador de lavrar conforme o seu Plano de Aproveitamento Econômico aprovado pela ANM, além de praticamente proibir a atividade de mineração”, afirma o Ibram, no documento que contesta a mudança.

Além da ameaça operacional, o Ibram menciona o possível impacto econômico da medida. Nos cálculos do instituto, 348,6 mil empregos diretos e indiretos podem ser afetados, o que representa 39% dos postos de trabalho das empresas pesquisadas.

“O atendimento ao dispositivo é inviável, visto que as estruturas minerárias de lavra têm a rigidez locacional como característica essencial e não podem ser realocadas”, diz o instituto.

Boa parte das explorações minerárias do país foi estruturada com cavas, usinas e depósitos situados exatamente nessas áreas abaixo das barragens. O Ibram sustenta que mudar isso não seria apenas caro, mas também inviável em muitos casos, por envolver restrições ambientais, urbanísticas e de segurança.

“Essa alteração normativa cria um ambiente de incerteza tanto para o poder público quanto para os administrados, na medida em que modifica, sem qualquer justificativa técnica plausível, uma regra que orientou os investimentos e as ações de reforço de estabilidade das barragens nos últimos três anos”, afirma o instituto, no documento enviado à ANM.

A consequente redução nas arrecadações do royalty da mineração, como é conhecida a Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), também é destacada pela instituição, ao mencionar que, nos últimos 12 meses, mais de R$ 7 bilhões foram pagos pelo setor.

O Ibram pediu à ANM que suspenda a aplicação da regra que classificou como uma “verdadeira ruptura interpretativa, sem respaldo técnico ou jurídico”.

Questionada pela Folha, a agência reguladora defendeu a mudança, declarou que a resolução (nº 220/2025) foi elaborada para atender a uma determinação do Ministério do Trabalho e que está em conformidade com recomendações de órgãos de controle como a CGU (Controladoria-Geral da União), que manifestou preocupação quanto à segurança e integridade dos trabalhadores que atuam em empreendimentos minerários localizados em áreas de risco.

“A norma tem como principal objetivo fortalecer a prevenção de acidentes e proteger vidas humanas, especialmente em zonas classificadas como de autossalvamento, consideradas as mais críticas em situações de emergência. Trata-se de uma medida de caráter técnico e preventivo, voltada à segurança operacional e alinhada a boas práticas internacionais”, afirmou.

A agência diz que a alteração “afeta um número restrito de empreendimentos e que foi estabelecido um prazo de quatro anos para adequação, garantindo tempo hábil para que as empresas planejem e implementem as medidas necessárias, de forma segura e responsável”.

O texto, de acordo com a ANM, foi debatido internamente, com base em fundamentos técnicos e jurídicos, e busca assegurar o equilíbrio entre a continuidade das atividades minerárias e a proteção dos trabalhadores e das comunidades potencialmente afetadas.

“A agência reitera seu compromisso com a transparência regulatória, com a proteção da vida e com o diálogo institucional permanente com os diversos segmentos do setor mineral”, afirmou.

O Ibram declarou à reportagem que defende as regras já vigentes por lei desde 2022 e que muitas mineradoras “já executam serviços complexos voltados à descaracterização das barragens de mineração construídas pelo método a montante”, ou seja, com a estrutura de contenção acima dos locais com presença de trabalhadores.

“O objetivo do Ibram é o de eliminar as restrições do texto atual, de forma que essas barragens de mineração estejam sujeitas aos mesmos critérios válidos para outros tipos de barragens existentes no país, como as de água”, declarou.

O instituto disse, ainda, que “as mineradoras se empenham em implantar técnicas alternativas de disposição de rejeitos, tais como os empilhamentos, que apresentam menor potencial de dano e menor grau de risco”, e que mantém diálogo aberto e constante com a ANM sobre assuntos relacionados ao setor.

Autor Original

Destaques da Semana

Temas

Artigos Relacionados

Categorias mais Procuradas

spot_imgspot_img