É inevitável comparar O Agente Secreto, filme de Kleber Mendonça Filho, indicado pelo Brasil ao Oscar de 2026, e Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles Júnior que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2025.
Os dois filmes abordam a ditadura militar brasileira através de uma mesma obsessão: a memória. Ainda Estou Aqui literaliza isso no título como sendo quase um grito contra o esquecimento, uma afirmação de presença diante do apagamento. O Agente Secreto, por sua vez, inverte a perspectiva, sendo uma contemplação melancólica do processo do esquecimento ou apagamento acontecido.
Ambos estrearam nos cinemas brasileiros na mesma época do ano, novembro, depois de meses de intensa campanha da imprensa divulgando premiações recebidas no exterior e elogios diversos, sem nenhum contraponto crítico antes da estreia.
Embora tenham tido boa bilheteria, O Agente Secreto levou menos espectadores aos cinemas, em torno de 270 mil nos primeiros dias, enquanto mais de 500 mil assistiram Ainda Estou Aqui no mesmo intervalo de tempo.
Talvez o público menor do filme de Kleber Mendonça se deva a dois fatores. Seu filme não é tão comercial como o de Walter Salles Júnior, cuja história é facilmente acompanhada pelo espectador. O Agente Secreto é cinema de arte, com uma narrativa menos óbvia e de longa duração (com mais de 2h30m). É provável que os primeiros a assistir não tenham saído tão animados do cinema, fazendo o boca-a-boca sobre o filme ser contrário ou consideravelmente menor do que o esperado.
Outro fator é a receptividade crítica. Ao contrário da (quase) unanimidade favorável a Ainda Estou Aqui, houve decepção considerável com O Agente Secreto. E não sem razão.
Histórias paralelas mal desenvolvidas
O roteiro abre histórias paralelas que não se comunicam entre si e se desenvolvem mal, tornando-as supérfluas e fazendo o filme perder ritmo em vários momentos. Ficasse concentrado na narrativa principal, facilmente o filme teria duração mais razoável e funcionaria melhor.
Além disso, o binarismo ideológico do diretor por vezes se impõe, com seu maniqueísmo infantil reduzindo personagens, como o empresário vilão, a uma profundidade psicológica de um pires. Sua xenofobia é tão tosca que soa inverossímil, risível até. Felizmente, a ideologização não sufoca completamente a obra, como ocorre em Bacurau, o anterior longa de ficção do diretor.
Ainda que de forma involuntária, esses defeitos acabam servindo à narrativa maior. A lentidão, as histórias dispersas, a recusa ou incapacidade em conectá-las explicitamente: tudo funciona como parte do processo de esquecimento. O título cria uma expectativa de um filme sobre espionagem, mantendo o espectador intrigado em boa parte do tempo, esperando revelações até que descobre que não se trata disso, que o agente secreto parece ser mais um ingrediente secreto de uma fórmula química ou receita de cozinha.
Seria isso o fio condutor, aliás, também das histórias paralelas, o elo comum que explicaria a existência da ditadura militar, da xenofobia contra nordestinos, do desaparecimento dos cinemas de rua no Recife e outros elementos dispersos pela narrativa.
O que seria esse ingrediente, esse agente, porém, não há como saber com certeza. O filme não dá respostas, nem poderia, pois se o esquecimento é o verdadeiro tema, como explicá-lo verbalmente? Como nomear o que, por definição, desaparece?

Mas constrói-se um símbolo razoável na figura do tubarão, especialmente na referência ao famoso filme de Spielberg, cuja grande força está justamente em quase não aparecer o animal, mantendo o suspense pela certeza da sua existência próxima e maléfica. Assim como em Tubarão, onde o tubarão mal aparece mas estrutura toda a tensão, em O Agente Secreto a ameaça permeia tudo sem ser explicitamente nomeada.
Embora seja mais razoável imaginar que Kleber Mendonça Filho acredite que o “tubarão” de sua história seria algum antagonismo à sua militância ideológica, por não explicitar isso seu filme se torna muito melhor, permitindo possibilidades interpretativas muito mais enriquecedoras, como do agente secreto ser a nossa falta de memória.
É notório que, culturalmente, tendemos a uma memória curta, isso quando a temos. Talvez por uma defesa psicológica diante de uma realidade tão difícil, apagamos o passado com razoável facilidade.
Os “esquecimentos” do filme
Há vários “esquecimentos” no filme, sendo o mais relevante a razão da morte da esposa do protagonista, interpretado por Wagner Moura. Parece ser proposital, pois o filho do casal envia um bilhete ao pai em um momento crucial da narrativa, em que desenha todos sobre um tubarão e, no verso, diz que está quase conseguindo esquecer a mãe. E conseguiu.
Como a cena final é do menino adulto sendo forçado a lembrar do passado, de muito mais do que da mãe, o que ele tem dificuldade de fazer e pouco consegue recordar, fecha-se a forma do filme como a do esquecimento da própria história, seja a dos personagens, seja a dos cinemas do Recife dos anos 1970, seja a do ocorrido na ditadura, seja a do Brasil, seja a do próprio filme. Ou alguém aí, terminando de assistir, ainda se lembra do cadáver na primeira cena?
O melhor do filme é o olhar de Wagner Moura em ambos os personagens que interpreta. É através do seu olhar que vemos a história acontecer para logo desvanecer, quando não ser apagada. Sua impotência diante da realidade e da possibilidade de mudar o destino, ora sentindo raiva por isso, ora entristecido, mas sempre acabando por ser engolido pelo “tubarão”, é de difícil interpretação e o ator realiza um trabalho primoroso.
Se O Agente Secreto ganhar o Oscar de melhor filme ou filme estrangeiro, será por falta de concorrentes melhores. Se Wagner Moura ganhar o de melhor ator será porque conseguiu transformar resignação em arte.
- O Agente Secreto
- 2025
- 160 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Em cartaz nos cinemas
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