Com os olhos postos em 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acelera uma agenda econômica de forte apelo popular, mas de alto risco fiscal. A defesa pública da lei que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000 mensais, da isenção de imposto sobre a PLR e da redução da jornada de trabalho, sancionada nesta quarta-feira (26), compõe o “kit reeleição”: um pacote de estímulos que, apesar dos ganhos políticos imediatos, preocupa economistas pela conta que será deixada para o próximo governo.
Essa estratégia, popular no curto prazo, força a criação de novos impostos sobre o capital para compensar a perda de arrecadação, mas a análise técnica adverte: o custo da manobra eleitoral pode levar a economia a um “pouso forçado” a partir de 2027.
A isenção de imposto sobre a PLR: um novo custo fiscal
A proposta de isentar totalmente o Imposto de Renda sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) é uma bandeira do presidente, que a defende como uma forma de justiça tributária. Lula argumenta que é injusto que ele, ao receber dividendos, não pague nada de IR, enquanto um trabalhador que recebe um bônus de R$ 10 mil como participação nos lucros precise pagar o tributo.
O tema é uma pauta histórica e estratégica do movimento sindical. O líder da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, chegou a pedir que a isenção da PLR fosse anunciada em breve.
A PLR, contudo, já tem uma faixa de isenção. Atualmente, a Participação nos Lucros e Resultados é tributada pelo Imposto de Renda apenas quando o valor recebido pelo empregado excede R$ 8.214. A proposta de isenção total, portanto, significaria uma renúncia fiscal adicional considerável para o governo.
Durante a cerimônia de sanção da nova lei do Imposto de Renda, o deputado Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto na Câmara, reconheceu a demanda. No entanto, Lira alertou sobre o “tamanho do problema e do impacto” financeiro da isenção total, sugerindo que o tema teria de ser trabalhado em “outro momento, com mais calma, talvez até no próximo mandato”.
O contexto fiscal: o trunfo da isenção do IR
A sugestão de isentar a PLR é apenas a próxima fase de uma ofensiva fiscal que já rendeu ao governo a maior vitória legislativa do ano: a lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Esta medida cumpre uma das principais promessas de campanha de Lula em 2022.
A nova lei, sancionada em novembro de 2025, estabelece a isenção total do IRPF para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Além disso, a legislação promove uma redução parcial do imposto para os contribuintes com rendas mensais entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350.
As novas regras entram em vigor a partir de janeiro de 2026. Estima-se que a medida beneficiará cerca de 15 milhões de brasileiros: 10 milhões deixarão de pagar o tributo e outros 5 milhões terão redução no valor devido. Considerando o desconto parcial, o número de beneficiados chega a aproximadamente 16 milhões de brasileiros.
O impacto dessa isenção é imediato no bolso do trabalhador. O ganho médio anual pode variar entre R$ 500 e R$ 3.500. O presidente da CUT chegou a classificar a conquista como um “14.º salário” para milhões de trabalhadores.
A sanção do IR foi aprovada por unanimidade tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que a isenção faz justiça a trabalhadores que historicamente foram penalizados. Haddad lembrou que o congelamento da tabela do IR por seis anos resultou em um confisco, fazendo com que 20 milhões de brasileiros passassem a pagar Imposto de Renda pelo mero reajuste zero. A euforia política, porém, encontra resistência na análise técnica.
O preço da isenção: renúncia fiscal e a dupla tributação
Apesar do apelo social e da celebração governamental, a isenção do Imposto de Renda e a possibilidade de estender essa benesse à PLR impõem um custo fiscal que exige cautela.
A perda arrecadatória com a isenção do IR é substancial. Projeções indicam uma renúncia fiscal de R$ 31,3 bilhões apenas em 2026, valor que aumenta para R$ 33,5 bilhões em 2027 e R$ 35,9 bilhões em 2028.
Para cobrir essa perda, o governo instituiu novos mecanismos de tributação, com foco na alta renda. A compensação deve assegurar uma receita de R$ 34,1 bilhões em 2026. Os principais mecanismos são:
- Criação do Imposto Mínimo para Altas Rendas: Contribuintes com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil serão submetidos a uma alíquota mínima que pode chegar a 10%. Cerca de 140 mil contribuintes de maior renda devem ser alcançados pela mudança. A cobrança é complementar: se o contribuinte já recolheu, por exemplo, apenas 2,5% de IR sobre seus rendimentos totais (incluindo lucros e dividendos), pagará a diferença até atingir o percentual mínimo.
- Taxação de Dividendos ao Exterior: A legislação estabeleceu também a tributação de lucros e dividendos remetidos para o exterior com uma alíquota de 10%.
O ministro Fernando Haddad defendeu que o projeto é “neutro do ponto de vista fiscal”, enfatizando que, pela primeira vez, o ajuste das contas foi feito por meio do “andar de cima”.
A redução da jornada de trabalho: risco à produtividade
Em paralelo às manobras fiscais, a segunda grande bandeira eleitoral de Lula para 2026 é a redução da jornada de trabalho. O presidente defende que o país precisa atualizar suas regras, argumentando que a jornada da CLT, de 1943, não corresponde mais à lógica de produção do século XXI.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, é um dos principais defensores da pauta, que avança no Congresso por meio de PECs que propõem a redução da jornada máxima de 44 para 36 horas semanais. A promessa de “trabalhar menos e ganhar o mesmo” é popular, mas o setor produtivo alerta para o risco do “efeito bumerangue”: aumento do desemprego e da informalidade.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) projeta a eliminação de 2,7 milhões de empregos formais, com um custo anual de R$ 300 bilhões para as empresas, que seriam forçadas a contratar mais para manter a produção. O problema é agravado pela crônica baixa produtividade do trabalhador brasileiro, que é inferior a um quarto da americana. Reduzir a jornada sem ganhos de produtividade comprometeria ainda mais a competitividade do país.
Pressão inflacionária e a bomba-relógio de 2027
O conjunto de medidas do “kit reeleição”, que soma R$ 251,9 bilhões, cria um cenário fiscal insustentável. A política fiscal expansionista entra em rota de colisão com a política monetária do Banco Central: o governo acelera o gasto, e o BC é forçado a manter juros altos para conter a inflação, razão pela qual o Brasil mantém a segunda maior taxa real de juros do mundo.
A trajetória do endividamento é alarmante. A dívida pública saltou de 71,7% do PIB em dezembro de 2022 para 77,5% em julho de 2025. Projeções indicam que atingirá 82,4% do PIB no final de 2026, com o mercado esperando até 84%.
O problema estrutural reside na rigidez orçamentária. O governo tem optado por postergar o problema, como na flexibilização dos precatórios, uma manobra que corrói a confiança dos investidores.
O presidente eleito em 2026 herdará um dilema dramático imposto pela matemática fiscal. Com mais de 90% dos gastos engessados e a dívida pública em patamares próximos a 84% do PIB, não haverá boas opções. No fim, o ‘kit reeleição’ se revela menos um pacote de benefícios e mais uma armadilha fiscal.



