No início de minha carreira, há pouco mais de vinte anos, morei por alguns anos em um apartamento de trinta metros quadrados. Dado o pequeno espaço, a geladeira era quase um frigobar e vivia cheia. Anos depois, já em um apartamento de setenta metros e com uma geladeira maior, imaginei que finalmente tudo caberia com folga, mas em poucas semanas tudo estava ocupado novamente. Essa lembrança sempre me volta quando penso em planejamento financeiro: assim como o espaço da geladeira, tudo que deixamos vazio —tempo, renda, energia— tende a ser preenchido pela rotina, o que nos leva a adiar justamente o que mais importa.
O historiador Cyril Northcote Parkinson notou algo parecido no trabalho, em 1955: o tempo disponível determina o tamanho da tarefa. Esse pensamento ficou conhecido como Lei de Parkinson: “o trabalho se expande para preencher o tempo disponível para sua realização”.
Dê um prazo maior e, por alguma razão misteriosa, a atividade cresce até caber nele. Sêneca, muito antes disso, já provocava que “não é que temos pouco tempo, é que desperdiçamos muito”. Junte as duas ideias e você tem uma boa explicação para o atraso permanente do planejamento financeiro: sempre existe algo que parece mais urgente e empurra o importante para depois.
Ao longo dos anos atendendo clientes, percebi um padrão. Ninguém adia porque quer. As pessoas adiam porque a vida empurra. E, quando percebemos, já estamos há meses dizendo a mesma coisa: “semana que vem eu organizo isso”, “quando passar essa fase eu começo”, “no próximo aumento eu guardo”, “vou pensar no seguro no próximo ano”. O problema é que esse “depois” se repete há anos ou décadas.
Isso afeta três pilares fundamentais: a organização da vida financeira, a construção do patrimônio e a proteção com sucessão. O primeiro cuida do hoje, dando ordem ao presente; o segundo prepara o amanhã, fazendo o tempo trabalhar a seu favor; e o terceiro protege o imprevisto e o depois de amanhã, garantindo que a vida não desmorone quando algo sai do roteiro.
Na organização da própria vida financeira, alguns clientes até sabem onde gastam, mas não sabem por que gastam. Outros até têm metas, mas nunca pararam para vê-las no papel. E muita gente simplesmente não encontra meia hora na semana para pensar em como controlar os gastos para poupar mais. Não por falta de capacidade, mas porque a rotina vai enchendo cada minuto, como minha geladeira.
No segundo pilar, na construção de patrimônio, a procrastinação dói mais. Muita gente acredita que começar ou voltar a investir daqui a alguns meses não faz diferença. Faz —e muita. Já vi clientes que adiaram seis meses e, anos depois, descobriram que aquilo significou perder um pedaço importante da tranquilidade futura. É quase cruel: o tempo é gentil com quem o respeita e impiedoso com quem o empurra.
O terceiro pilar, proteção e sucessão, é o mais delicado. As pessoas evitam falar de doença, acidente ou morte. Entendo. Mas ignorar não evita nada. Já acompanhei famílias que sofreram duas vezes: primeiro com o imprevisto, depois com a burocracia e a falta de estrutura. É difícil explicar que um bom seguro ou um planejamento sucessório estruturado teria reduzido metade do sofrimento e facilitado a vida dos beneficiários. Ninguém gosta de pensar nisso, mas deixar para depois costuma significar deixar para tarde demais.
Nada disso exige genialidade. Exige começo. Começar pequeno, simples, imperfeito mesmo. Dez minutos por semana já bastam para criar ordem. Um aporte modesto já muda o ritmo. Uma conversa rápida sobre proteção já abre um caminho que antes não existia.
No fim das contas, talvez a lição da geladeira seja mais profunda do que parece. Se o espaço sempre vai se encher, que pelo menos sejamos nós a decidir com o que. Porque, gostemos ou não, o futuro não espera nossa conveniência. Ele chega. A questão é como queremos estar quando ele bater à porta.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
