Os dados mais recentes mostram uma mudança relevante na composição do desemprego americano: adultos com diploma universitário de quatro anos já representam 25% de todos os desempregados —a maior proporção em mais de três décadas de série histórica. A taxa de desemprego desse grupo subiu para 2,8% em setembro, meio ponto percentual acima do ano anterior, somando mais de 1,9 milhão de trabalhadores altamente qualificados em busca de ocupação.
A interpretação desse fenômeno é central para a condução da política monetária. Foi a forte desaceleração na criação de vagas que levou o Fed a reiniciar o ciclo de cortes na taxa de juros em setembro de 2025, após um longo período de estabilidade.
Se a desaceleração do mercado de trabalho for puramente cíclica —ou seja, reflexo da falta de demanda agregada—, cortes adicionais tenderão a reverter esse quadro. Mas o Fed tem alertado para a possibilidade de que parte do problema seja estrutural. A própria instituição reconhece que o avanço da inteligência artificial pode estar reduzindo a demanda por trabalho em ocupações de rotina cognitiva, justamente aquelas que empregam trabalhadores com ensino superior.
Ao mesmo tempo, a oferta de trabalho está se reconfigurando. A desaceleração da imigração vem reduzindo a disponibilidade de mão de obra, contribuindo para a manutenção de um mercado de trabalho que não apresenta grande ociosidade, com a taxa de desemprego um pouco acima da taxa considerada neutra.
A complexidade desse quadro se intensifica com a inflação persistentemente acima da meta de 2% pelo quinto ano consecutivo, o que pode colocar em xeque a credibilidade do Fed. O debate sobre o repasse das tarifas comerciais adiciona uma camada de incerteza: enquanto parte dos dirigentes avalia que seus efeitos inflacionários já foram absorvidos ou tendem a ser transitórios, outro grupo sustenta que novos custos ainda podem emergir —sobretudo em um ambiente econômico que tem se mostrado surpreendentemente resistente aos juros elevados.
Por ora, as expectativas inflacionárias seguem ancoradas —mas esse cenário pode mudar. Se for esse o caso, o desafio deixará de ser apenas calibrar a taxa de juros: será preciso um aperto monetário muito mais severo para reestabelecer a âncora nominal.
Esse cenário complexo se reflete na divisão interna do próprio Fed. Um grupo defende a continuidade dos cortes de juros a curto prazo, interpretando a redução do emprego como um sinal de que a política está excessivamente restritiva. Outro alerta para o risco de a inflação continuar resistente e para o perigo de combater fraquezas do emprego que podem ter origem estrutural com estímulo monetário. É provável que, qualquer que seja a decisão na reunião de dezembro, haverá dissidências significativas.
Para completar a complexidade do momento, a proximidade da transição na presidência do Fed e eventuais mudanças em sua composição tendem a amplificar o risco de ruído na comunicação e de interpretações equivocadas pelos mercados.
A combinação de IA, menor imigração, efeitos incertos das tarifas e inflação persistente desafia a identificação do verdadeiro nível da taxa de juros real neutra —aquela que não acelera nem desacelera a economia—, crucial para qualquer decisão sobre os juros. Entre o risco de errar por excesso e o de perder a mão, o Fed enfrenta um teste de credibilidade institucional em meio a profundas mudanças econômicas. Navegar por esses dilemas certamente não será algo trivial.
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