O festival A Bossa! – De João e do Rio , que teve início nesta sexta-feira (28) e termina no próximo domingo (30), na cidade natal do ícone da bossa nova, João Gilberto (1931-2019), tem suscitado algumas questões relevantes sobre o gênero musical.
Perguntado por este repórter se foi realmente o cantor, violonista e compositor baiano Walter Santos (1939-2008) quem ensinou a João Gilberto (1931-2019) a batida da bossa nova, como consta no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, o experiente produtor Armando Pittigliani, 90, disse: “Não, não, não! O João Gilberto, foi ele mesmo… O detalhe é o seguinte: o João, como não tinha ritmo tocando com ele, fez a batida do tamborim, teim, teim, teinque, teim, teim, teinquecumquerem que, teim, teim. Entendeu? É só isso”.
Neste exato momento o produtor foi interrompido por seu colega de profissão, o renomado produtor Roberto Sant’Ana, 82, que acrescentou: “Walter ensinou violão a João Gilberto, e não a batida”.
Ao que Pittigliani concordou: “Violão. Violão sim, não a levada do João. A levada do João é um negócio que acho que ele veio do planeta Marte e um ser botou na cabeça dele: ‘Faz assim e pronto’, acabou, né? Não tem pra mais ninguém”
Pittigliani completou seu raciocínio dizendo: “Olha, na história da música brasileira, a verdade é como um LP, tem dois lados e sempre um furo no meio. Sempre tem uma história diferente, até pra mim, cara, que lancei o Jorge Ben [BenJor]. Ele foi dar uma entrevista e disse que me conheceu num futebol de praia. Só que ele foi fazer um teste bem antes e eu gravei o primeiro disco dele, um ano antes. Um ano depois é que eu botei ele pra jogar futebol na praia comigo. E ele vai numa entrevista e diz que foi no futebol que ele me conheceu. É mole?”.
Este repórter trabalhou com Walter Santos em seu estúdio, em São Paulo, no final dos anos 1970, e sempre soube, por meio de músicos como Hermeto Pascoal (1936-2025) e Edson José Alves (1951-2020), entre outros muitos instrumentistas, maestros, compositores e arranjadores como Chiquinho de Moraes (1937-2023), que Walter Santos tinha sido o verdadeiro “pai da bossa nova”, embora o artista nunca tenha assumido isso para mim. Talvez, agora, eu aquiete um pouco minha incessante busca por tal fato, com os relatos desses experientes e consagrados produtores musicais que asseguram que meu antigo patrão apenas “ensinou” violão ao João Gilberto. Então tá, é bom também…
Além de “professor” de violão de João Gilberto, Walter Santos foi filho de um seresteiro chamado Chororó. Com apenas oito anos de idade, Walter Santos cantou em um comício político a música “Lábios que beijei”, de J. Cascata e Leonel Azevedo, e chapou o coco de quem o escutou. Mudou-se com a família, aos 13 anos, de sua terra natal, Senhor do Bonfim (BA), para Juazeiro. Lá mordeu o prêmio de um programa de calouros abocanhando também o status de cantor oficial da cidade. Ainda em Juazeiro, no ano de 1946, formou com João Gilberto e outros músicos amigos o conjunto vocal Enamorados do Ritmo.
Em 1957, Walter foi para o Rio de Janeiro e morou na mesma pensão que João Gilberto. Na ocasião sobrevivia dando aulas de violão, instrumento de quem era considerado vagabundo pela sociedade e atacava na noite, tocando em boates. Destacou-se como um dos mais importantes violonistas da bossa nova e conheceu a letrista carioca Tereza Santos (1940-2009), com quem compôs sucessos do gênero como “Amanhã” e “Samba Só”, além de terem criado talvez o melhor selo independente de todos os tempos da música instrumental brasileira, o “Som da Gente”, que funcionava dentro do Nosso Estúdio, em São Paulo, onde trabalhei quando ainda era muito jovem.
Walter ainda participou, como vocalista, com João Gilberto e Tom Jobim (1927-1994), do LP “Canção do amor demais”, álbum no qual a “Divina” Elizeth Cardoso (1920-1990) gravou canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes (1913-1980), com arranjos de Jobim, e que apresentou pela primeira vez a tal “batida de violão” de João Gilberto, que caracterizaria a bossa nova. Coincidência, né?
Enfim, Walter foi convidado por seu chegança, na época, o compositor Luís Carlos Paraná (1932-1970) para atacar na noite de Sampa e acabou por mudar-se definitivamente para São Paulo, em 1959. Na capital paulista criou com a mulher inúmeros e memoráveis jingles, trilhas e spots para rádios, TVs e cinemas. Uma de suas mais notáveis “criações” musicais, com sua mulher Tereza, foi a cantora Luciana Souza, que há muito encanta o mundo de amealhar os sons pelo planeta afora. Procure saber.
Nas composições de Walter Santos, gravadas em seus discos ou em bolachas de outros intérpretes, é evidente sua forte ligação com o estilo musical focado no festival A Bossa! – De João e do Rio.
Afinal, a bossa nova é filha de Walter ou João? Eis a questão. Apagamento, sacanagem, inveja, esquecimento, deslize do mercado fonográfico ou da imprensa? O que teria ocasionado o não reconhecimento de Walter Santos como o criador da batida da bossa nova, e atribuído a João Gilberto a paternidade?
A resposta, talvez, seja a mesma que o próprio Walter me dava quando eu insistia em perguntar a ele se era ele, de fato, o “pai” da criança, que projetou -e continua levando- o Brasil no mundo: “Sei não…”
Assista, a seguir, ao vídeo com um trecho do final do show de Roberto Menescal com o cantor Theo Bial, que aconteceu ontem, sexta-feira (28), na primeira noite do festival A Bossa! – De João e do Rio.
O repórter viajou a convite da organização do festival.
