O computador aqui tem dezenas de abas abertas com textos que seria bom digerir com calma. Aqui vão algumas sugestões apressadas, começando por uma surpresa: o anestésico dissociativo cetamina vem sendo usado por atletas para lidar com a dor, legalmente, porque o remédio (ainda) não aparece na relação oficial de doping.
A cetamina, às vezes grafada como ketamina, pode caber numa definição mais ampla de composto modificador da consciência (“psicodélico”). Em doses menores que a empregada em cirurgias, provoca uma espécie de viagem que traz benefício antidepressivo e tem sido indicada por psiquiatras para tratar casos sérios, em especial quando envolvem ideações suicidas.
É um uso “off-label” (fora da prescrição usual) de um medicamento registrado, portanto facultado ao arbítrio de médicos. Pode ser indicado de maneira legal, inclusive no Brasil.
Thomas Zandonai, Sofia Venturini e Ornella Corazza publicaram no periódico Performance Enhancement and Health artigo sobre o uso da cetamina por esportistas de alto rendimento. A substância estaria auxiliando na recuperação e no convívio com a dor, consequência incontornável do treinamento intenso.
Os autores também afirmam que psicodélicos como a psilocibina têm ajudado atletas a melhorar resiliência, humor e flexibilidade cognitiva. Alertam que o uso crescente carece de pesquisas sobre os efeitos de longo prazo e que a prática poderá entrar na mira da Agência Mundial Antidoping (Wada, em inglês), que já indexou analgésicos como tramadol.
Não é só no esporte que a psilocibina anda em alta. Com a regulamentação do uso adulto nos EUA em estados como Oregon, Colorado e Novo México, assunto recorrente em meios de comunicação (como neste blog), o composto psicodélico dos cogumelos ditos “mágicos” tem sido cada vez mais usado, não raro fora dos poucos serviços autorizados.
Kent Hutchison, Jake Hooper e Hollis Karoly apresentam na revista Jama Psychiatry dados sobre o consumo crescente de cogumelos com psilocibina nos EUA. Revisando levantamentos sobre uso de drogas na década 2014-2024, encontraram que mais de 7 milhões de pessoas de 19-50 anos relataram ter feito uso deles no ano anterior.
Mais grave, constatou-se variação de até 20 vezes na dosagem de psilocibina contida nos fungos à venda fora de estabelecimentos licenciados. É comum a associação com cannabis, o que segundo os pesquisadores pode potencializar efeitos adversos e tem motivado aumento de casos em serviços de emergência.
Outro estudo instigante, de Aaron Cherniak e Pehr Granqvist, da Suécia, investigou a perene associação de psicodélicos com misticismo. Utilizando dados de grandes levantamentos de coorte do Reino Unido, com 11 mil pessoas, pôs em dúvida a ideia difundida de que viagens lisérgicas e quetais catapultem religiosidade ou mudanças profundas de crença, como a (des)conversão.
Igualmente controversos são os efeitos de microdosagem, a prática de utilizar duas ou três vezes por semana doses subclínicas de um psicodélico para melhorar humor e cognição. Equipe da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), tendo à frente o brasileiro Dimitri Daldegan-Bueno (pesquisador de ayahuasca), investigou microdoses de LSD para tratar depressão e constatou diminuição de 59,5% na pontuação da escala Montgomery-Asberg (Madrs).
Por falar em ciência psicodélica nacional, há duas outras abas abertas no navegador. A primeira traz a tese de doutorado de Daniel Kazahaya, da Unicamp, com o título “Do inconsciente ao transcendente: análise qualitativa sobre o uso adulto do cogumelo psicodélico e seus efeitos no sentido da vida e na personalidade a partir de uma abordagem psicanalítica”.
Outra é a dissertação de mestrado de Rômulo Henrique Almeida de Miranda, da Universidade Federal de Rondônia, intitulada “Atitudes de médicos psiquiatras e psicólogos em relação aos psicodélicos e seu potencial terapêutico”.
Benditas abas, boa leitura.
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